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O catecismo católico legitima o darwinismo?
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Um leitor amigo do Tubo me mostrou uma troca de mensagens entre dois católicos britânicos, Clive Copus e Stratford Caldecott, publicada pelo Catholic Herald. São três textos para cada missivista, e o tema é a compatibilidade da teoria da evolução, de Charles Darwin, com a fé católica. Durante essa discussão eles usarão trechos do Catecismo da Igreja Católica para defender suas posições. Aqui, vou comentar principalmente as afirmações de Clive Copus, já que é nelas que eu vejo muitos problemas na tentativa de desacreditar a evolução.

Copus é o primeiro a escrever, e alega que foi Darwin quem tornou possível descartar o Cristianismo como um “conto de fadas”. Segundo Copus, “se, como Darwin defendia, a vida é simplesmente a consequência não desejada da seleção natural agindo por mutações aleatórias, realmente não há necessidade de invocar Deus como a causa primeira de nossa existência, ou procurar algum significado na vida além da luta por sobreviver e procriar”. O que me parece é que Copus caiu no conto dos ateus militantes, já que são eles quem não veem nenhum propósito na vida e atribuem isso a Darwin. No entanto, a filósofa Mary Midgley já desmascarou essa farsa, chamando-a de “Dawkinsismo”.

“Se há algo em que o Papa e Richard Dawkins deveriam ser capazes de concordar, é que a teoria darwinista e o ensinamento católico são diametralmente opostos”, continua Copus. Aqui ele só pode estar apelando à ignorância do leitor (ou demonstrando sua própria ignorância); de que Papa está falando? De Pio XII, que não via problemas no estudo da evolução, desde que respeitadas certas particularidades? De João Paulo II, que elogiou a teoria de Darwin em um discurso? De Bento XVI, que escreveu sobre o assunto quando era cardeal?

Reprodução
O logotipo do catecismo católico de 1992, adaptado de uma imagem achada em uma catacumba romana.

Caldecott rebate tão bem o uso de citações do Catecismo que Copus já vai abandonar a maioria delas na segunda mensagem, agarrando-se apenas ao parágrafo 356. Na tradução oficial para português do Brasil, ele diz: De todas as criaturas visíveis, só o homem é “capaz de conhecer e amar seu Criador”; ele é a “única criatura na terra que Deus quis por si mesma” (…) (as aspas são da constituição Gaudium et Spes, do Concílio Vaticano II). De fato, o papel do homem neste processo é uma das coisas que, para mim, Copus tem mais dificuldade em entender. Se o homem foi querido por Deus, afirma, não há como ele ter sido o restado de processos evolucionários naturais e aleatórios (vejam a comparação do caça-níqueis que ele faz na primeira mensagem). No entanto, Caldecott lembra que, de certa forma, Copus está extrapolando o micro para o macro: o fato de as mutações genéticas serem aleatórias não permite concluir que todo o processo evolucionário seja sem propósito. Nenhum dos debatedores discorda do fato de o homem ter sido uma criatura desejada por Deus – a diferença entre eles está na maneira como esse desejo se realiza.

E aqui chegamos ao outro ponto em que, na minha opinião, Copus se equivoca: o papel que Deus tem nesse contexto. Das suas mensagens, parece que, segundo Copus, se Deus não tem nenhum papel ativo no desenvolvimento da criação, então Wle não é necessário para mais nada e torna-se dispensável. Só haveria duas possibilidades: ou Deus efetivamente age, ou Deus apenas dá a corda inicial no relógio e fica olhando. “A não ser que possamos mostrar que o darwinismo é incapaz de explicar certas características do mundo natural, nunca seremos capazes de desenvolver um argumento convicente para o papel de Deus na criação”, diz Copus na terceira mensagem. No entanto, a resposta para essa objeção já tinha sido dada por Caldecott nos seus dois primeiros textos. Existe uma terceira alternativa que se tornou esquecida atualmente, talvez por ser algo complicado de entender. O parágrafo 301 do Catecismo diz: Com a criação, Deus não abandona sua criatura a ela mesma (observação minha: isso rejeita a noção teísta do “Deus espectador”). Não somente lhe dá o ser e a existência, mas também a sustenta a todo instante no ser, dá lhe o dom de agir e a conduz a seu termo. Na segunda mensagem, Caldecott afirma que, ainda que no futuro consigamos saber exatamente como formas de vida complexas surgiram de formas elementares, “Deus ainda seria necessário para manter a existência de cada fase do processo e as leis que o governam. Deus é o Ato de Ser”. É exatamente o que disse o padre George Coyne em sua entrevista ao Tubo. Para Caldecott, a noção de “Deus que sustenta o universo” acabou esquecida por causa da perda dos conceitos de causalidade formal e final. A retomada dessas noções será um componente importante para a correta compreensão do papel de Deus na criação e no universo.

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