Já faz um bom tempo botei aqui os vídeos de Thomas Woods sobre a relação entre cristianismo e ciência. Neles, Woods faz uma alegação que explica por que a ciência pôde florescer apenas num caldo de cultura cristã: por causa da noção de universo ordenado. “Em algumas das chamadas ciências aplicadas, como medicina e óptica, o Islã deu grandes contribuições. Porém, nas ciências mais teóricas, a ciência islâmica nasceu, como diria o padre Stanley Jaki, natimorta. Parecia que ela estava indo a algum lugar e, de repente, acabou. (…) Se você fosse dizer que o universo é ordenado de acordo com certas leis que têm de ser observadas, isso seria um insulto a Alá, que pode se comportar de maneira tão arbitrária quanto queira. O que lhe parece uma lei pode ser apenas um de seus hábitos que ele pode descontinuar a qualquer tempo”, diz Woods em seu vídeo. Bom, não sei onde ele encaixaria aí os avanços que os árabes tiveram na álgebra, por exemplo, mas é verdade que o mundo islâmico passou por séculos de estagnação científica.
Por isso é bom ler, na edição mais recente da The Economist, uma reportagem sobre um novo impulso científico nos países muçulmanos. A reportagem começa com informações que não são das melhores, como o cancelamento de um curso que o físico nuclear paquistanês Pervez Hoodbhoy leicionava em uma universidade de seu país, e que incluía conteúdos sobre a relação entre o islamismo e a ciência. Mas, passado o diagnóstico mais deprimente, o leitor começa a ver os bons sinais. Primeiro, a matéria faz uma recapitulação histórica dos avanços científicos islâmicos durante a Idade Média, muitos deles inclusive com motivação religiosa. A astronomia, por exemplo, se beneficiou dos esforços para calcular corretamente a data do Ramadã.
Esse despertar para a ciência nos países islâmicos, diz a Economist, é obra não dos líderes religiosos, mas dos governantes de países que estão submersos em dinheiro graças ao petróleo. Eles estão criando novas universidades e financiando atividades de pesquisa e desenvolvimento, com os resultados surgindo em termos de artigos científicos, que crescem não apenas em quantidade, mas também em qualidade. A ênfase, neste momento inicial, parece ser nas ciências que tenham aplicações mais práticas.
A reportagem não dedica muito espaço à reação dos líderes religiosos a essa renovação científica. A revista diz que boa parte da ciência que vem sendo feita não colide com os valores islâmicos, mas a coisa muda de figura quando o tema é a evolução. Muitos muçulmanos, mesmo cientistas, rejeitam a noção de que o ser humano seja fruto de um processo evolutivo, embora haja cientistas religiosos que não veem problema com esse conceito. Por outro lado, o texto ressalta que pesquisadores muçulmanos não têm restrições à pesquisa com células-tronco embrionárias, porque acreditam que a alma se infunde no feto apenas entre o 40.º e o 120.º dia de gestação.
(Aqui, uma observação: a oposição dos católicos à pesquisa com células embrionárias não tem nada a ver com doutrinas sobre infusão da alma, ao contrário do que se diz comumente. Na verdade, a Igreja Católica se baseia justamente na comprovação científica de que, desde a concepção, existe um novo indivíduo da espécie humana que merece proteção, independentemente do momento da infusão da alma.)
Apesar de encerrar demonstrando preocupação com o grau de liberdade que os cientistas têm no mundo islâmico, a reportagem não deixa de ser positiva ao mostrar que, pouco a pouco, esses países vêm se abrindo cada vez mais à ciência.
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