A Veja desta semana tem uma entrevista com Craig Venter, o líder da equipe que produziu DNA sintético (lembram?). Procurei um link para a entrevista, mas parece que só funciona para assinantes da revista. Então, antes de fazer meus comentários, reproduzo aqui a parte que nos interessa.
Alguns cientistas ironizam suas experiências, dizendo que o senhor quer ter o mesmo papel de Deus. Como vê essas críticas?
Acho muito melhor o papel de [Charles] Darwin.
Alguma coisa contra Deus?
Não acredito em Deus, mas tenho fé em Darwin, que é a inspiração para todo o meu trabalho. (…)
O geneticista Francis Collins, também responsável pelo mapeamento do genoma humano, é cristão fervoroso. É possível conciliar religião e ciência?
Não. É muito difícil ser um cientista de verdade e acreditar em Deus. Se um pesquisador supõe que algo ocorreu por intervenção divina, ele deixa de fazer a pergunta certa. Sem perguntas certas, sem questionamentos, não há ciência. O ser humano sempre tenta achar uma força misteriosa para explicar suas falhas, fraquezas e dúvidas. Mas a vida começa como o nascimento e termina com a morte. Se todas as pessoas aceitassem isso, aproveitariam mais sua vida, exigiriam mais de si mesmas e não desperdiçariam chances.
Deixando de lado as afirmações sobre o que cada indivíduo faz ou deixa de fazer por acreditar ou não em Deus, acho curioso Venter dizer que “é muito difícil ser um cientista de verdade e acreditar em Deus”. A lista de “cientistas de verdade” que não tinham problema nenhum em conciliar seu trabalho com a crença em Deus é extensa. Ou alguém vai dizer que Newton, Galileu, Faraday, e o próprio Francis Collins (só para ficar em uns poucos exemplos) não são “cientistas de verdade”?
E, claro, temos o caso da ideia de Deus que Venter faz (para poder derrubar). A julgar pelas afirmações feitas na entrevista, o “Deus” de Craig Venter é um Deus de explicação, o velho “Deus das lacunas” de que tanto temos falado no blog. O problema da afirmação de Craig não é que ela contenha erros lógicos, ou coisa do tipo (de fato, um cientista que já fosse pesquisar algo pensando “foi Deus que fez” faria uma pesquisa viciada). O problema da afirmação de Craig é que ela descreve uma situação que não corresponde à realidade. Fico me perguntando que pesquisador crente “supõe que algo ocorreu por intervenção divina” na hora de suas pesquisas, porque uma das consequências do trabalho do cientista é justamente dar a Deus o que é de Deus, a Darwin o que é de Darwin, a Einstein o que é de Einstein e por aí vai, ou seja, excluir a “intervenção divina” como causa dos fenômenos naturais. A pergunta certa do cientista sempre é o “como?”, e isso independe da crença ou não crença do cientista, já que a pergunta certa do crente não é o “como?”, e sim o “por quê?”.
Não deixa de ser curioso perceber como é grande o número dos ateus que adere a essa visão obsoleta de Deus que é o “Deus das lacunas”. Que haja religiosos adeptos desse Deus não chega a ser tão surpreendente (especialmente entre os que têm pouco conhecimento científico), mas entre os ateus? Entre aqueles que se autodenominam “brilhantes”, mas cuja inteligência parece não ser capaz de entender que o Deus da maioria das religiões não é o Deus de explicação no qual eles adoram bater? Essa paixão dos ateus pelo Deus das lacunas é, de fato, um tanto intrigante.
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