No domingo passado o Estadão publicou uma reportagem sobre uma pesquisa que avaliou dedicatórias em dissertações de mestrado e teses de doutorado. Os pesquisadores descobriram que, enquanto 38% dos pós-graduandos da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da USP inseriam expressões de cunho religioso, no Instituto de Biociências (IB) a porcentagem caía para 8%. O motivo? A evolução, segundo o biólogo Antônio Carlos Marques, que liderou o estudo. Vejam o que ele disse sobre os tais 8%: “é um número alto, se pensarmos que estes alunos são treinados para pesquisar e ensinar disciplinas que têm a evolução biológica como princípio fundamental.”
Marques não diz com todas as letras, mas parece estar implícita uma associação entre evolução e ateísmo. Afinal, se os alunos do IB são “treinados” para aceitar a evolução (de forma mais enfática que os estudantes da FMVZ, segundo Marques e outros pós-graduandos entrevistados), era de se esperar que ninguém mais tivesse fé religiosa? É o que o biólogo deixa a entender.
O problema é que estão forçando a barra nessa história. Você até pode tirar conclusões sobre a religiosidade das pessoas quando elas fazem um agradecimento de teor religioso em seus trabalhos acadêmicos, mas não pode concluir que a ausência desse tipo de referência indique falta de religiosidade. Eu mesmo, se não me engano, não incluí nenhum agradecimento a Deus no meu trabalho de conclusão de curso simplesmente por achar que não era o caso (na verdade, acho que não coloquei agradecimento nenhum).
O segundo problema é que, ainda que a matéria tenha trazido a opinião de pessoas, como Carlos Menck (da Sociedade Brasileira de Genética), que não veem conflito entre ciência e religião, nenhum dos entrevistados lembra que também não existe oposição entre religião e evolução; certos grupos, sim, se opõem à teoria de Darwin, mas extrapolar isso a todo o conjunto das religiões é ignorar todo o trabalho de cristãos que não veem nenhum problema em seguir acreditando em Deus e defendendo a evolução biológica, como Francis Collins, Ken Miller, Karl Giberson, Darrel Falk, os signatários do Clergy Letter Project, os papas Pio XII, João Paulo II e Bento XVI, e por aí vai.
A reportagem até reforça a associação entre evolução e ateísmo quando comenta o questionário aplicado aos ingressantes na pós-graduação nos dois institutos. Quando o texto começa perguntando “Será que o estudo da biologia – e, mais especificamente, da evolução biológica – torna as pessoas menos religiosas ou os alunos que procuram a disciplina já são, por princípio, menos religiosos que os outros?” e, depois, informa que “79% [dos ingressantes no IB] concordaram com a explicação evolutiva, comparado a 49% da veterinária”, cria uma relação indevida. Todos os 79% são ateus ou agnósticos? E se boa parte deles, na verdade, tiverem uma crença religiosa? A matéria não diz se isso também foi perguntado aos alunos. Se não foi, a pesquisa tem uma lacuna. Se foi, a reportagem deveria ter trazido essa informação. Em qualquer um dos casos, o que temos é uma associação inventada entre Darwin e ateísmo, bem ao gosto de Richard Dawkins. O problema, como diz o título do post, é que estamos diante do elo forçado.
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