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O Novo Ateísmo desrespeita o consumidor
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Faz duas semanas, enquanto eu estava publicando aqui no Tubo o especial Darwin, a blogosfera norte-americana pegou fogo. Agora que a poeira já sentou, pelo menos um pouco, queria comentar um quebra-pau no mínimo inusitado, já que opôs ateus e… ateus.

Divulgação / www.michaelshermer.com
Apesar de ateu, Shermer foi criticado por outros ateus por defender a conciliação entre evolução e fé.

A maioria dos leitores antigos do blog já conhece Michael Shermer, editor da Skeptic. Comentei aqui um ensaio dele, coloquei um vídeo em que ele debate com Dinesh D’Souza, enfim, admito que, se minha impressão a respeito dele era um tanto negativa, com o tempo fui percebendo que se trata de uma pessoa intelectualmente muito honesta. Na semana em que se comemoravam os 150 anos de A origem das espécies, Shermer publicou um artigo no site da CNN: Religion, evolution can live side by side. É, o título já diz muita coisa, mas permitam-me traduzir um pedacinho bem significativo do artigo:

“Todos esses medos (Shermer tinha elencado seis motivos que levam as pessoas a recusar a evolução) são sem fundamento. Para um teísta, não deveria importar quando Deus criou o universo, se há 10 mil ou 10 bilhões de anos. Seis zeros não fazem diferença para um ser onisciente e onipotente, e a glória da criação divina suplica por reconhecimento, não importa quando ela ocorreu.

Do mesmo modo, não deveria importar como Deus criou a vida, se foi por Sua palavra milagrosa ou pelas forças naturais do universo que Ele criou. A grandeza do trabalho divino exige nossa admiração, seja qual for o processo que Ele usou.”

Vamos ser claros aqui: Shermer é ateu (embora ele prefira ser definido como “cético”). Ele não está se convertendo, nem de longe. Mas o objetivo de seu artigo é mostrar aos que creem em Deus que é possível, sim, manter a fé e aceitar a evolução, já que o processo evolucionário não deixa de refletir a criatividade divina.

Divulgação
Para Jerry Coyne, a posição “acomodacionista” não é válida: fé e ciência são excludentes entre si.

Mas Jerry Coyne, um dos ateus militantes mais barulhentos da blogosfera, não gostou. Em um post chamado Michael Shermer, teólogo, Coyne tem um piti (não vejo expressão melhor para descrever a situação). Insinua que a atitude não-belicosa de Shermer em relação à religião tem fundo financeiro: a Fundação John Templeton o estaria financiando. Lança neologismos como “faitheist” e, o mais interessante, “accommodationist” (um “acomodacionista” é quem admite a convivência entre ciência e religião. Vale tanto para religiosos quanto para ateus, pelo jeito).

Shermer respondeu a Coyne, e ficamos por aqui. Muita gente já meteu a colher na discussão, e quem quiser ler mais pontos de vista sempre pode recorrer ao Google. Na sua resposta, Shermer diz que a abordagem depende do interlocutor e do objetivo. Quando se está discutindo com um crente interessado em ciência, vale mais a pena mostrar a possibilidade de compatibilidade entre evolução e fé, ou o negócio é ridicularizar a crença alheia? Qual é o objetivo, promover a ciência ou destruir a religião? Curiosamente, faz alguns meses Richard Dawkins disse à Newsweek que era possível crer em Deus e aceitar a evolução, lembram? Alguns blogueiros se perguntaram se Dawkins estava se tornando um “acomodacionista”, e quem veio em defesa do “Rottweiller de Darwin”? o mesmo Jerry Coyne!

Qual é a moral da história? O Novo Ateísmo, em geral, não acha suficiente que você deixe de crer em Deus e abrace a ciência. Agora há pouco perguntei se o objetivo do debate sobre evolução era promover a ciência ou destruir a religião. Pois bem, você precisa fazer ambos, só assim será bom o suficiente para pertencer ao clubinho. Do contrário, levará bordoadas como Michael Shermer levou por dizer que, sim, fé e ciência são compatíveis. Em resumo, o Novo Ateísmo faz venda casada. O Procon devia ficar de olho nesses caras.

Nesse sentido, aponto para uma última leitura nessa tarde: ontem, Stephen Protero escreveu no USA Today sobre uma nova onda de escritores ateus. O que os difere do grupo de Dawkins, Hitchens e Coyne é que, para esses “New New Atheists”, a religião não é um inimigo que precisa ser destruído a todo custo, e sim um ponto de vista a mais, em pé de igualdade com o ateísmo. “Seu objetivo não é um mundo sem religião, mas um mundo em que crentes e não-crentes coexistam pacificamente e no qual os ateus sejam respeitados, ou no mínimo tolerados”, diz Prothero. Suponho que Coyne e sua turma olharão os recém-chegados com desdém, afinal eles parecem do tipo “acomodacionistas”. Mas será um embate interessante de ver.

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Aproveito para lembrar que amanhã será lançado em São Paulo o volume 4 da revista Dicta&Contradicta, desta vez com uma resenha deste blogueiro. Escrevi sobre Galileo goes to jail and other myths about science and religion, de Ronald Numbers. A resenha, no entanto, não será publicada no Tubo enquanto o site da Dicta não liberar todo o conteúdo desta edição (o que só deve ocorrer no meio do ano que vem). Para ler, será preciso comprar a revista mesmo… e ela está em pré-venda na Livraria Cultura. Aos comentaristas que levaram a sério o papo do lançamento pirata no Sheridan’s, lamento desapontá-los. Saio tarde do jornal, e no máximo abrirei uma Guinness em casa amanhã à noite. Mas quem sabe algum dia possamos reunir os leitores do Tubo em torno de uma mesa para boa bebida e boa conversa.

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