A nomeação de Miguel Nicolelis para a Pontifícia Academia de Ciências continua repercutindo em alguns sites e listas católicas por causa de suas posições a favor do aborto e da união homossexual. Fiquei um pouco surpreso, não achei que fosse dar tanto debate. Mas boa parte da crítica vem de setores que muitos (inclusive eu) apelidam de “rad-trads” (de “radical traditionalists”), grupos críticos ao Concílio Vaticano II e à Missa promulgada por Paulo VI; que praticamente canonizam o arcebispo Marcel Lefebvre e, em maior ou menor grau, acham que Roma já não representa muito bem a catolicidade. É uma turminha que se arrogou o direito de julgar o Papa em tudo; tudo que o Papa faz ou diz é suspeito enquanto não passar pelo crivo do que esses grupos julgam ser a catolicidade. A liberação universal para a missa tridentina (que frequento sempre que possível, aliás) passa pelo filtro; a nomeação de Nicolelis, a beatificação de João Paulo II, a convocação de um novo encontro inter-religioso em Assis, isso não. Já vi gente dizendo que bastava “ser racional” para ver o absurdo da nomeação de Nicolelis. A conclusão é óbvia: o Papa deve ser irracional…
Curioso é que esses “juízes de Papa” não são capazes de apresentar um episódio sequer em que um membro não católico da Academia tenha emitido opiniões contrárias à doutrina falando em nome da Academia (até porque a norma é haver pronunciamentos ou documentos coletivos, não individuais). Mas, apesar da ausência de precedentes, ainda assim eles afirmam que é exatamente isso que vai acontecer: mais dia, menos dia, veremos Nicolelis defendendo o aborto falando na condição de membro da Pontifícia Academia de Ciências. Parece um pouco com o piti do ateísmo militante quando Obama nomeou Francis Collins para o National Institute of Health. “Ele vai misturar ciência e fé!”, diziam os PZ Myers da vida. Consta que as previsões apocalípticas não se cumpriram. E não devem se cumprir também no caso de Nicolelis. Como eu disse semana passada, o Vaticano está interessado no que ele tem a dizer sobre neurociência, não sobre aborto ou união homossexual.
No sábado passado, a assessoria de imprensa da Santa Sé divulgou outra notícia sobre a Pontifícia Academia de Ciências que deve ter alarmado os “juízes de Papa”. Bento XVI nomeou um não católico, pela primeira vez na história, para presidir a Academia. Werner Arber, suíço e protestante, era membro da Academia desde 1981 e ganhou o Nobel de Medicina em 1978. Alguém vai dizer que ele não tem credenciais para comandar a Academia?
PS: Mandei algumas perguntas a Nicolelis pelo e-mail disponível no site de seu laboratório na Duke University, mas não recebi resposta. Que eu tenha visto, a única declaração dele sobre a nomeação foi uma mensagem ao blog do Luís Nassif, já que lá Nicolelis estava sendo vítima da patrulha da esquerda (no caso, por ter aceito a nomeação do Vaticano). “Fui convidado a me tornar membro da mais antiga academia de ciências do mundo, a mesma a que Galileu Galilei foi membro. Aceitei o convite, pois esse foi feito com a garantia que a academia se interessa pela minha ciência e não pela minha opção (ou falta de opção) religiosa”, diz, entre outras coisas. “Meu outro colega de Academia é o físico Stephen Hawking, que professa as mesmas opiniões que eu. Agora eu me pergunto, a troco de quê eu iria recusar a oportunidade de bater bons papos com um dos maiores fisicos da história? A Academia de Ciências deixa claro nos seus estatutos que nenhum dos seus membros precisa acreditar em Deus ou ser membro da religião católica. Entao, a título de esclarecimento, gostaria de deixar registrado que toda vez que eu for convidado a participar do mesmo clube frequentado por gente como Galileu e Stephen Hawking, vocês podem estar certos que eu vou aceitar”, conclui.
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