O blogueiro (e o blog) voltam hoje, após um mês de férias. Só que pisei na bola ao não avisar, lá no fim de abril, que estava saindo para um mês de descanso em maio… mas agora já liberei os comentários pendentes dos posts de março e abril, e vamos retomando aos poucos o ritmo antigo.
Começam a chegar às livrarias os diálogos que o papa Francisco, quando era cardeal, travou com líderes de outras religiões sobre vários temas, incluindo a relação entre ciência e fé. (Foto: Giampiero Sposito/Reuters)
Quando o papa Francisco foi eleito, escrevi no blog que, exceto por manifestações iniciais do pontificado em que o novo papa demonstrou sua preocupação ambiental, teríamos de esperar um pouco para conhecer suas posições sobre ciência e religião. Mas algumas publicações recentes mostram que Francisco, quando cardeal-arcebispo de Buenos Aires, já tinha, sim, manifestado algumas reflexões sobre o tema. O selo Benvirá, pertencente à Editora Saraiva, lançou quatro livrinhos com diálogos entre o cardeal Bergoglio, o rabino Abraham Skorka e o presbiteriano Marcelo Figueroa, e um deles se chama Razão e Fé. É uma leitura rápida, menos de 50 páginas, coisa de uma hora, uma hora e meia no máximo.
Como diz o título, não se trata de uma discussão específica sobre ciência e religião; o tema está inserido no contexto mais amplo da relação entre fé e razão. Quem introduz o tema da falsa separação entre ciência e fé é Skorka, explorando as origens históricas do paradigma do conflito e defendendo o “equilíbrio dialogal” entre esses dois âmbitos (p. 15). O cardeal Bergoglio, na sequência, reforça o ponto de vista de Skorka ao dizer que “fazer a separação significa implantar uma dicotomia na natureza humana” (p. 16) e que “uma religião que não reconhece na ciência sua autonomia legítima não a deixa crescer, mas uma ciência que se autoerige como absoluta, com uma autonomia total, e que nega toda possibilidade de transcendência é suicida” (p. 17). Figueroa fala de um gnosticismo às avessas, no qual hoje o material é bom e o espiritual é mau.
Duas palavras que vão permear todo o livreto são “humildade” (que, para Skorka, precisaria vir com letra maiúscula) e “diálogo”. O rabino, que é doutor em Química (já o papa Francisco é técnico em Química), fala da relação entre humildade e honradez intelectual (p. 21), da humildade que leva o cientista a admitir que “à ciência corresponde o ‘como’, e não o ‘por quê'” (p. 24), mas vai ressaltar que não se trata de uma humildade paralisante, mas que convive com uma “arrogância” boa que consiste em acreditar em si mesmo (p. 30). A segunda parte do livro, intitulada “Em busca do equilíbrio”, já não aborda tanto questões de ciência e religião, mas inicia com reflexões sobre a natureza do diálogo em geral e de como ele abre portas para o mútuo entendimento, seja entre ideologias, entre religiões, ou entre a fé e o mundo secular. É Bergoglio quem retoma o tema da relação entre ciência e fé ao citar os dois extremos que impedem o diálogo: a recusa fundamentalista dos avanços e descobertas científicos, de um lado, e uma autossuficiência motivada pela ciência e que leva à perda de transcendência. A intervenção final do livro, de Figueroa, reforça: “fé e ciência são imprescindivelmente complementares”.
As observações sobre fé e ciência feitas no livreto ficam em um nível mais genérico; não diria “superficial” porque há muita profundidade nas palavras dos três autores, mas digo “genérico” porque eles não entram em temas específicos, a não ser quando Bergoglio fala em uma autonomia da ciência que é legítima, mas não é total. O papa Francisco não explica, depois, onde está o limite, mas podemos encontrar uma pista em outra obra recém-lançada, o livro Sobre o Céu e a Terra, que reúne conversas entre Bergoglio e Skorka sobre diversos temas. O capítulo 17 (p. 103-106) é intitulado “Sobre a ciência”; nele, é Skorka quem mais fala, iniciando com a presença de judeus e católicos entre pessoas que deram relevantes contribuições à ciência, e fala dos limites da ciência. É aí que Bergoglio explica a sua preocupação: “quando a autonomia da ciência não impõe limites a si mesma e vai mais adiante, o controle de sua própria criação pode escapar de suas mãos. É o mito de Frankenstein. (…) Quando o homem se torna soberbo, cria um monstro que escapa de suas mãos. É importante para a ciência impor-se o limite para poder dizer: ‘A partir daqui já não crio cultura, e sim outra forma de incultura, que é destrutiva’.”, e Skorka finaliza acrescentando que esse tema está por trás da história judaica do Golem, “o paradigma de quando o homem não domina o que seu intelecto cria”.
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