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Hoje, no nosso especial Darwin, é Dia de Combater a Generalização. Um risco comum que corremos é o de sair afirmando coisas do tipo “esses fundamentalistas são todos criacionistas de Terra jovem”, e que por isso não há diálogo com eles, e por aí vai. Justamente por causa disso, o teólogo evangélico Bruce Waltke, professor do Reformed Theological Seminary, na Flórida, preparou um relatório que apresentou no congresso “In search of theology of celebration”, promovido faz duas semanas pela Fundação BioLogos (sim, a mesma do Karl Giberson, que vocês conhecem dos posts de segunda e terça-feira). Ele resolveu procurar a resposta à pergunta: afinal, qual é, exatamente, o problema que essas pessoas veem na teoria da evolução? E, com um questionário em mãos, entrou em contato com faculdades confessionais nos Estados Unidos, pedindo que os teólogos evangélicos respondessem.

Aqui, uma ressalva: pelo que entendi das minhas conversas com colegas norte-americanos quando estive em Minneapolis, o “evangélico” americano não é o que nós chamamos aqui de “evangélico” (e que eles chamam de “pentecostal”). Nos EUA, o “evangélico” é menos dado a experiências sensíveis, mas rejeita o liberalismo crescente das linhas protestantes históricas (como o luteranismo) e ao mesmo tempo começa a se distanciar do movimento fundamentalista, embora também dê muita ênfase à autoridade da Bíblia.

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Voltando à pesquisa, o que Waltke fez foi enumerar onze objeções à teoria de Darwin, com as quais os teólogos pesquisados deveriam dizer se concordavam ou não. As quatro primeiras “barreiras”, como o estudo chamou essas objeções, são de ordem puramente teológica: a evolução seria incompatível com 1. uma leitura literal dos dois primeiros capítulos do Gênesis; 2. a relação das genealogias dos capítulos 5 e 11; 3. a doutrina de que a desordem (desordem em toda a criação, não apenas no gênero humano) entrou no mundo pelo pecado de Adão; e 4. o conceito de Adão como causador do pecado original e de Cristo como redentor de toda a humanidade.

As sete barreiras seguintes são de ordem científica: Waltke enumera uma série de “alternativas científicas” a Darwin e quer saber dos teólogos se eles as consideram uma explicação melhor para a origem da Terra, da vida e do homem. A formulação básica das perguntas é “A teoria/pessoa/instituto (…) apresenta evidência científica suficiente para rejeitar a evolução”. E então temos: 5. o criacionismo de Terra jovem proposto pelo Institute for Creation Research; 6. o criacionismo de Terra antiga proposto pelo ministério Reasons to Believe; 7. o Design Inteligente; 8. a ideia de que, como a ciência trata do observável, os cientistas só podem conhecer o presente e não o passado, proposta por Ken Ham, do Answers in Genesis; 9. a tese de que o universo “parece” antigo porque Deus o fez parecer assim; 10. a teoria da lacuna, que se parece com o criacionismo de Terra jovem, mas admite uma lacuna temporal entre os dois primeiros versículos do Gênesis, possibilitando duas criações distintas; 11. a hipótese de que o relato do Gênesis não tem uma descrição literal dia após dia, mas apenas descreve uma sequência no processo: primeiro o universo, depois as criaturas. Waltke afirma que essa última teoria na verdade não seria incompatível com Darwin, mas ele a incluiu na pesquisa por já ter ouvido estudantes basearem sua oposição à evolução justamente com base nessa ideia. Por fim, havia um último botão para ser pressionado por aqueles que não viam nenhum problema em aceitar a evolução pela seleção natural. Vale mencionar que, em todos os casos, mesmo nesse último, parte-se do pressuposto de que Deus é o criador do universo.

Dito isso, vamos aos resultados – baixe ou veja o PDF e acompanhe comigo, está na página 7:

O que mais surpreendeu Waltke foi que 46% dos 264 teólogos pesquisados apertaram apenas o último botão, ou seja, não veem problema algum na evolução como formulada por Charles Darwin (sim, podem soltar os foguetes). Nenhuma outra resposta, individualmente, chegou a esse patamar. Mas, como a soma das porcentagens das outras 11 respostas dá bem mais que 54%, conclui-se que muitos teólogos antievolucionistas têm mais de um motivo para rejeitar Darwin.

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E os motivos teológicos são mais fortes que os científicos, vejam só: 44% dos entrevistados concordaram com a primeira objeção, ou seja, eles leem literalmente os primeiros capítulos do Gênesis. Por outro lado, 23% acham que as genealogias bíblicas são motivo suficiente para rejeitar a evolução. São um grupo menor, mas mostram que o arcebispo Ussher ainda tem seus seguidores. Já 34% julgam que a evolução contradiz a Bíblia porque, para eles, a desordem e a morte só surgiram no mundo com o pecado original, ou seja, antes disso a seleção natural, com predadores e coisas do tipo, não tinha como funcionar. E 28% dos entrevistados veem problemas na evolução por abrir a possibilidade de diversas fontes para o gênero humano, o que faria o pecado original ser algo restrito a apenas um grupo, e não a toda a humanidade, com implicâncias teológicas para a missão redentora de Cristo.

Waltke tem sugestões apenas para diminuir a porcentagem expressa na primeira barreira: reforçar a noção de que os textos bíblicos são de diferentes tipos: enquanto alguns são narração histórica propriamente dita, outros são alegorias. O Gênesis conta uma história real, afinal Deus realmente é o criador do universo, mas de forma alegórica, de um modo que podia ser entendido pelos hebreus, semelhante a outras cosmogonias do Oriente Médio. Também aqui está uma resposta ao comentarista que me perguntou por que o cristão pode ler o Gênesis como metáfora, mas deve aceitar os milagres e a ressurreição de Cristo como narradas no Evangelho. Os Evangelhos são uma narração histórica e foram escritos com essa pretensão, ao contrário do que o autor sagrado quis com o Gênesis. É verdade que a corrente do “Jesus histórico” vem tentando transformar os Evangelhos em alegorias, retirando deles qualquer elemento sobrenatural, mas não vejo futuro nessa abordagem.

Para analisar o segundo grupo de barreiras, eu lembro o que Karl Giberson disse na entrevista publicada anteontem. Para ele, muitos viam a questão da evolução não como uma batalha entre ciência e religião, mas como um conflito entre “a ciência de que eu gosto” e “a ciência que contesta minha fé”. Digamos que a pesquisa de Waltke apresenta sete “ciências de que os teólogos gostam”, para contrapor a Darwin. E, dessas opções, o Design Inteligente é o preferido, com 36% de aceitação, seguido pelo criacionismo de Terra jovem (19%), pela tese de que Deus fez o universo parecer antigo (para tirar uma com a nossa cara, eu diria – 18%) e pela afirmação um tanto “agnóstica” de que os cientistas não têm como conhecer o passado, já que ele não é observável (17%). Waltke diz que o DI leva a melhor na preferência dos antievolucionistas pois é mais plausível como ciência e parece se adaptar melhor tanto ao que é descrito na Bíblia quanto a dados científicos. O que ele não comenta é que a soma dos que concordaram com alguma das sete barreiras “científicas” também é maior que 56%, ou seja, um bom número de teólogos viu mais de uma teoria como capaz de desbancar o darwinismo em termos científicos.

Concluindo, Waltke diz que a pesquisa derruba a noção generalizada dos evangélicos como defensores do criacionismo de Terra jovem; eu até gostaria que fosse assim, embora tenha minhas dúvidas, pois a pesquisa envolveu teólogos, e não a população em geral. Mas o pesquisador ainda sugere que os evolucionistas cristãos adotem uma abordagem de diálogo franco com os proponentes do Design Inteligente, em vez de partir para o quebra-pau. Parece válido, assim como a ideia de buscar os verdadeiros obstáculos que levam as pessoas a recusar a evolução. De posse desses dados, é possível concentrar energias naquilo que realmente interessa e dará bons resultados, em vez de tentar acertar mosquito com míssil.

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Amanhã no Tubo de Ensaio: mais uma resenha de livro, agora em português.

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