Dando sequência a nossos posts desta Semana Santa sobre o Sudário de Turim, apresento aos leitores do Tubo outra obra interessante sobre o tema, desta vez para quem lê italiano. É Il caso Sindone non è chiuso, de Bruno Barberis, diretor do Centro Internacional de Sindonologia, em Turim, e Massino Boccaletti, advogado e jornalista. O livro foi lançado em 2010, por ocasião da exibição do Sudário naquele ano, e parece-me ter recebido uma nova edição em 2015, quando ocorreu uma nova exibição. Eu li a edição original, de 2010, e não sei dizer se a de 2015 tem alguma novidade relevante.
Os autores se propõem a apresentar o Sudário ao leitor comum, que nunca ouviu falar do Sudário ou que sabe pouco sobre esse pano. Talvez por isso, Barberis e Boccaletti tenham optado por uma abordagem puramente cronológica: ao contrário de outros livros, que separam a parte histórica, a “descrição técnica” do Sudário e as descobertas científicas feitas no tecido, este começa com as hipóteses para a “pré-história” do Sudário e, daí em diante, segue rigorosamente a passagem do tempo, com o pano em Lirey (e a carta acusatória do bispo Pierre d’Arcis, que diz ser o Sudário uma falsificação), depois na posse dos Savoia, suas exibições em ocasiões solenes, a famosa foto de Secondo Pia em 1898, as primeiras contestações “modernas” ao Sudário, as fotos de Giuseppe Enrie em 1931, as pesquisas de Pierre Barbet, o projeto Sturp, as descobertas sobre o pólen no Sudário, o carbono-14… quem já conhece o Sudário por livros como O Sinal e The Shroud talvez não encontre muitas novidades factuais ou informações científicas novas. Mas faço algumas observações sobre aspectos singulares deste livro.
Do ponto de vista histórico, Barberis e Boccaletti adotam a teoria de Ian Wilson, de que o Sudário era a Imagem de Edessa/Mandylion. E trazem um elemento bastante curioso: a homilia feita em 945 (um ano depois de a imagem ter chegado a Constantinopla), quando o imperador bizantino Constantino VII Porfirogenetos instituiu uma festa litúrgica dedicada ao Mandylion. O arquidiácono Gregório, referendário da catedral de Santa Sofia, falou das gotas de suor e sangue do rosto de Jesus, o que não surpreende, mas falou também do sangue que jorrou do lado de Cristo, aberto com uma lança, indicando que o clérigo aparentemente sabia que o pano não mostrava apenas o rosto de Jesus, mas tinha algo mais. Até procurei essa citação no livro de Wilson, mas não a encontrei. Seria outro indício de associação entre os dois objetos.
Os autores também contestam os resultados do carbono-14, nas mesmas bases de outros especialistas no Sudário, alegando contaminação da amostra. Mas, no livro, Barberis e Boccaletti se concentram mais nas inúmeras violações do protocolo, mesmo depois de sua simplificação (aliás, os autores traçam uma imagem mais positiva de Luigi Gonella, o assessor científico do cardeal-arcebispo de Turim, na comparação com o livro de Ian Wilson). Apesar de não dizer isso no livro, Barberis é favorável a novos exames e já deu inúmeras declarações a respeito. A contracapa do livro traz uma frase forte: “O Sudário não teme o exame; teme apenas não ser examinado”.
E Barberis e Boccaletti se permitem um fino exercício de ironia: se o Sudário for mesmo uma falsificação medieval, seu autor provavelmente seria o maior gênio de sua e de outras épocas, maior que Leonardo da Vinci e outros renascentistas. Vejamos: seria muito fácil criar algo que enganasse as pessoas no século 14, mas o sujeito que fez o Sudário não se contentou com isso: ele imaginou todas as técnicas que teríamos hoje para analisar o Sudário, e por isso não quis usar qualquer pano; foi buscar um tecido costurado em “espinha de peixe”, característico da Palestina do tempo de Cristo, e viajou até Jerusalém para espalhar sobre o pano pólen de plantas que só crescem ali. Antecipou a invenção da fotografia e fez uma imagem que funciona melhor no negativo que no positivo, e sem usar pigmentos. Era grande conhecedor de história da arte, para fazer o rosto do Sudário coincidir com as imagens sacras bizantinas. Antecipou as teorias sobre a circulação do sangue, para compor as manchas no pano, e ainda conhecia anatomia e história, para reproduzir perfeitamente no Sudário as consequências de uma crucificação romana. Enfim, “gênio” seria pouco para uma pessoa assim, que incrivelmente preferiu permanecer anônima…
O que mais me chamou a atenção, no entanto, é a introdução do livro. Nela, os autores defendem que a pergunta mais comum feita sobre o Sudário (“é falso ou verdadeiro?”) é um tanto banal. Mais exato seria questionar se o Sudário é “autêntico” (no sentido de “milagroso”), mas mesmo assim ainda é possível ir além, e Barberis e Boccaletti definem três acepções de autenticidade. Na primeira acepção, o Sudário é “autêntico” caso sua imagem tenha sido formada por algum procedimento “natural” envolvendo um cadáver humano, sem intervenções artísticas ou técnicas como pintura etc. A segunda acepção é histórica: o Sudário será “autêntico” se for um pano fúnebre (não necessariamente Aquele Pano Fúnebre) feito no século 1.º d.C. para envolver um cadáver (não necessariamente Aquele Cadáver). Já a terceira acepção é aquela mais comum quando se trata do Sudário: ele será “autêntico” se for o exato tecido que, 2 mil anos atrás, envolveu o corpo morto de Cristo. A ciência pode nos dizer muito sobre as duas primeiras noções de “autenticidade” e, dependendo do que disser, poderá negar a terceira, mas talvez jamais comprová-la. No fim do livro, Barberis e Boccaletti até fazem um exercício estatístico analisando a probabilidade de alguma outra pessoa ter sido crucificada nas mesmas circunstâncias das de Cristo (ferida na cabeça, carregando a trave horizontal da cruz, ferida no lado, sepultada às pressas e envolvida num lençol que permaneceu apenas pouco tempo junto ao corpo etc.) para chegar à conclusão de que, se o Sudário for autêntico nas duas primeiras acepções, a chance de o Homem do Sudário ser outro, e não Jesus Cristo, são praticamente nulas. Mas não sei até que ponto as estatísticas usadas para o cálculo são verossímeis ou forçadas.
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Pequeno merchan
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