Quatro anos atrás, o blog estreou comentando uma série de ensaios promovida pela Fundação John Templeton, que perguntou a uma série de personalidades se a ciência havia tornado a crença em Deus obsoleta. Mas a instituição já havia promovido outro debate, com a pergunta “O universo tem um propósito?”
Enquanto na série anterior eu comentei as respostas na ordem, dessa vez vou inverter um pouco, começando com o décimo ensaio, do astrofísico Neil deGrasse Tyson (você pode não conhecê-lo, mas se tem Facebook certamente já o viu). Antes que você pense que estou fazendo isso só porque a primeira resposta é do Lawrence Krauss, digo que o motivo para começar por Tyson é a publicação recente do vídeo abaixo, em que ele lê sua resposta enquanto o Henry Reich, do Minute Physics, desenha.
A resposta de Tyson é “não tenho certeza”. Ele começa afirmando: “Qualquer um que tenha uma resposta mais definitiva para a questão está alegando ter acesso a um conhecimento que não tem fundamento empírico”, no que está totalmente certo, em minha opinião. Mas, na sequência, ele afirma que esse tipo de pensamento é “comum à maioria das religiões e alguns ramos da filosofia”, ignorando que cada vez mais cientistas vêm fazendo afirmações de caráter semelhante. Como não lembrar de Richard Dawkins afirmando enfaticamente que o universo não tem propósito algum? Vou deixar a citação em inglês para não haver dúvidas: “The universe we observe has precisely the properties we should expect if there is, at bottom, no design, no purpose, no evil and no good, nothing but blind, pitiless indifference.” (está no livro O rio que saía do Éden).
De fato, a questão sobre o propósito é filosófica, não científica. E Tyson, apesar de iniciar seu ensaio com um “not sure”, no final vai concluir que há muito mais elementos para crer em um universo totalmente aleatório que em um universo com propósito. Entre seus argumentos está o fato de que os humanos só preenchem 0,0001% da história do universo (então, se o propósito do universo é a nossa existência, ele não é exatamente um primor de eficiência) e que o ambiente do planeta foi (ou é) hostil a ponto de ter eliminado 99,9% das espécies que já estiveram por aqui. Sem falar em um suposto viés que nós, humanos, teríamos ao dizer que o propósito do universo seria nossa existência; outros seres, como nossas bactérias intestinais, teriam opiniões diferentes (isso, claro, se bactérias pudessem ter qualquer tipo de opinião, o que o astrofísico também desconsidera).
Não há questionamento sobre os números que Tyson apresenta, mas, para muitos daqueles que creem em um propósito para o universo, os dados são menos relevantes do que parecem na argumentação de Tyson. Se você acredita, por exemplo, em uma divindade criadora que está fora do tempo, os 99,9999% da história do cosmo passados sem a presença humana se tornam irrelevantes, já que o tempo não faz a menor diferença para essa divindade. E, para quem defende a existência humana como propósito para o universo, o fato de 99,9% das espécies terem desaparecido também perde importância, até porque o desaparecimento de algumas (ou várias) delas justamente ajudou a criar as condições para que o ser humano pudesse surgir.
Assim, os números podem nos dar mais embasamento para pensar no tema e é importante que eles estejam na mesa, mas não creio que eles sejam a chave para a resposta final. Eu, particularmente, acredito em um propósito para o universo, mas não tenho problema nenhum em admitir que essa crença deriva da minha fé, e não de dados empíricos, justamente porque, como acabei de falar, não vejo como os dados, sozinhos, possam ser suficientes para embasar uma resposta mais assertiva a respeito do tema.
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