Mudanças no comando do Observatório Vaticano: o sacerdote argentino José Funes está deixando a instituição após 15 anos trabalhando lá, nove deles como diretor. Seu sucessor dispensa apresentações: é o irmão Guy Consolmagno, também jesuíta, figurinha carimbadíssima, sempre requisitado pela imprensa de língua inglesa para aparecer em talk shows, entrevistas, documentários, o que for que envolva religião e astronomia. Ele realmente dispensa apresentações, como afirmou o padre Funes no comunicado em que anunciava sua saída. Se Consolmagno já era a face midiática do Observatório, agora assume o comando de vez.
A nomeação de Consolmagno foi publicada na edição de sexta-feira do boletim da Sala de Imprensa da Santa Sé. Naquele mesmo dia, o papa Francisco recebeu em audiência os participantes de um simpósio que estava sendo promovido pelo Observatório Vaticano. Como só existe versão oficial do discurso em italiano, faço aqui uma tradução extraoficial.
Caros irmãos e irmãs,
dou as boas-vindas a todos vós que formais a comunidade de trabalho do Observatório Vaticano, e agradeço ao cardeal Giuseppe Bertello pela introdução feita ao nosso encontro.
Deum Creatore venite adoremus (“vinde e adoremos ao Deus criador”). Com essas palavras, inscritas na parede de mármore em uma das cúpulas dos telescópios na residência papal de Castegandolfo, Pio XI iniciava seu discurso de 29 de setembro de 1935, quando inaugurou a Nuova Specola.
Com efeito, o universo é algo mais que um problema científico a ser resolvido; é um mistério gozoso que contemplamos na alegria e no louvor (Laudato Si’, 12). “Todo o universo material é uma linguagem do amor de Deus, do seu carinho sem medida por nós” (ibidem, 84). Santo Inácio de Loyola entendia muito bem essa linguagem. Ele mesmo contou que sua maior consolação era contemplar o céu e as estrelas porque isso lhe fazia sentir um enorme desejo de servir ao Senhor (Autobiografia, 11).
Com a refundação do Observatório em Castel Gandolfo, Pio XI estabeleceu também que sua gestão ficasse a cargo da Companhia de Jesus. Em todos esses anos os astrônomos do Observatório percorreram caminhos de pesquisa, caminhos criativos, à sombra dos astrônomos e matemáticos jesuítas do Colégio Romano, do padre Cristóvão Clávio ao padre Angelo Secchi, passando pelo padre Mateus Ricci e tantos outros. Neste aniversário, gostaria também de recordar o discurso que Bento XVI fez aos padres da última Congregação Geral da Companhia de Jesus, no qual afirmava que a Igreja precisa urgentemente de religiosos que dediquem sua vida a estar nas fronteiras entre a fé e o saber humano, a fé e a ciência moderna.
Nestes dias, vós, padres e irmãos, juntamente com os especialistas associados, vos reunistes para tratar das vossas pesquisas e dos temas do diálogo entre ciência e religião. A propósito disso, São João Paulo II afirmava: “O importante é que o diálogo deve continuar e progredir em profundidade e amplitude” (Carta ao padre George Coyne, 1.º de junho de 1988). E se perguntava: “A comunidade de religiões do mundo, incluída a Igreja, está pronta para entrar em um diálogo sempre mais profundo com a comunidade científica, um diálogo que, ao mesmo tempo em que salvaguarda a integridade seja da religião, seja da ciência, promova o progresso de ambas?” (ibidem).
No contexto do diálogo inter-religioso, hoje mais urgente que nunca, a pesquisa científica sobre o universo pode oferecer uma perspectiva única, compartilhada por crentes e não crentes, que ajude a obter uma melhor compreensão religiosa da criação. Neste sentido, as Escolas de Astrofísica organizadas pelo Observatório nos últimos 30 anos são uma oportunidade preciosa em que jovens astrônomos de todo o mundo conversam e colaboram na busca pela verdade.
Além disso, durante vosso evento discutistes a importância de comunicar a necessidade de a Igreja e seus pastores abraçarem, encorajarem e promoverem a ciência autêntica, como sublinhava Leão XIII (cfr. motu proprio Ut mysticam). É importantíssimo que vós compartilheis o dom do vosso saber científico do universo com as pessoas, oferecendo de graça o que de graça recebestes.
Em espírito de gratidão ao Senhor pelo testemunho de ciência e fé que os membros do Observatório têm dado nestas décadas, quero encorajar-vos a continuar este caminho com vossos colegas, e com quem mais compartilhar o entusiasmo e o trabalho duro da exploração do universo. É uma viagem que fazeis também na companhia dos funcionários do Observatório, de seus mantenedores e amigos, e de tantas pessoas de boa vontade. Sim, estamos todos em viagem rumo à casa comum do Céu, onde poderemos ler com alegre admiração o mistério do universo (cfr. Laudato Si’, 243).
Que o Deus onipotente, que mantêm todo o universo na existência, pela intercessão da Virgem Maria, vos cubra com sua paz e vos abençoe.
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