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Os 50 anos da “encíclica que nunca deveria ter existido”

Paulo VI será canonizado justamente no ano do cinquentenário de sua encíclica mais incompreendida. (Foto: CNS) (Foto: )

Neste 25 de julho comemoramos (o verbo é esse mesmo) o cinquentenário de um dos atos mais corajosos do papa Paulo VI: a publicação da encíclica Humanae Vitae. Seu tema principal, declarado no próprio subtítulo, é a regulação da natalidade, mas é simplista resumi-la como “a encíclica que proibiu a pílula”, pois ela é uma explicação abrangente da importância do amor conjugal. No jornal O São Paulo, da Arquidiocese de São Paulo, Marcelo Musa Cavallari conta como a Humanae Vitae foi praticamente um ato heroico de Paulo VI diante das inúmeras resistências que seu conteúdo enfrentou antes e depois da publicação. De fato, para muitos católicos, essa é a encíclica que nunca deveria ter existido. Um livro lançado na Itália conta os bastidores da preparação da encíclica, incluindo o fato de que o papa pediu as opiniões dos quase 200 prelados integrantes do Sínodo dos Bispos. Recebeu 25 respostas, e apenas sete pediam que ele se mantivesse firme na defesa da doutrina católica tradicional sobre o tema. Entre esses sete estavam São João Paulo II e outro bispo que eu um dia espero ver nos altares, o norte-americano Fulton Sheen.

Cavallari destaca o tom profético do texto de Paulo VI. Recomendo ao leitor conferir o conteúdo completo da encíclica, que é curtinha, mas destaco aqui dois aspectos: o primeiro é justamente a profecia feita pelo papa (os destaques são meus):

“17. Os homens retos poderão convencer-se ainda mais da fundamentação da doutrina da Igreja neste campo, se quiserem refletir nas consequências dos métodos da regulação artificial da natalidade. Considerem, antes de mais, o caminho amplo e fácil que tais métodos abririam à infïdelidade conjugal e à degradação da moralidade. (…) É ainda de recear que o homem, habituando-se ao uso das práticas anticoncepcionais, acabe por perder o respeito pela mulher e, sem se preocupar mais com o equilíbrio físico e psicológico dela, chegue a considerá-la como simples instrumento de prazer egoísta e não mais como a sua companheira, respeitada e amada.

Pense-se ainda seriamente na arma perigosa que se viria a pôr nas mãos de autoridades públicas, pouco preocupadas com exigências morais. Quem poderia reprovar a um governo o fato de ele aplicar à solução dos problemas da coletividade aquilo que viesse a ser reconhecido como lícito aos cônjuges para a solução de um problema familiar? Quem impediria os governantes de favorecerem e até mesmo de imporem às suas populações, se o julgassem necessário, o método de contracepção que eles reputassem mais eficaz?

O que Paulo VI previu se realizou, e nem demorou muito para isso. A melhor referência que conheço sobre o assunto é Adam and Eve after the pill, um livro imperdível de Mary Eberstadt que mostra sem rodeios tudo o que foi prometido pela “revolução da pílula” e o que de fato aconteceu. Tudo com fontes exclusivamente seculares, quando não simpáticas à revolução sexual. Paulo VI só aparece no capítulo final do livro.

O segundo aspecto é o apelo que Paulo VI faz aos cientistas:

“24. Queremos agora exprimir o nosso encorajamento aos homens de ciência, os quais ‘podem dar um contributo grande para o bem do matrimônio e da família e para a paz das consciências, se se esforçarem por esclarecer mais profundamente, com estudos convergentes, as diversas condições favoráveis a uma honesta regulação da procriação humana’. É para desejar muito particularmente que, segundo os votos já expressos pelo nosso predecessor Pio XII, a ciência médica consiga fornecer uma base suficientemente segura para a regulação dos nascimentos, fundada na observância dos ritmos naturais. Assim, os homens de ciência, e de modo especial os cientistas católicos, contribuirão para demonstrar que, como a Igreja ensina, ‘não pode haver contradição verdadeira entre as leis divinas que regem a transmissão da vida e as que favorecem o amor conjugal autêntico’.

Em outubro, Paulo VI será canonizado pelo papa Francisco. Que os católicos finalmente possam perceber o presente que a Humanae Vitae foi para a Igreja e a sociedade, ainda que esse reconhecimento venha com cinco décadas de atraso.

Pequeno merchan

Além de editor e blogueiro na Gazeta do Povo, também sou colunista de ciência e fé na revista católica O Mensageiro de Santo Antônio desde 2010. A editora vinculada à revista lançou o livro Bíblia e Natureza: os dois livros de Deus – reflexões sobre ciência e fé, uma compilação que reúne boa parte das colunas escritas por mim e por meus colegas Alexandre Zabot, Daniel Marques e Luan Galani ao longo de seis anos, tratando de temas como evolução, história, bioética, física e astronomia. O livro está disponível na loja on-line do Mensageiro.

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