De tempos em tempos, vemos reaparecer aquela turma que tenta de todas as maneiras provar que o Sudário de Turim é uma falsificação, provavelmente medieval, e tentam desqualificar o que se sabe sobre o pano. Um desses cientistas, o químico Luigi Garlaschelli, já tentou fazer réplicas do Sudário, mas nunca conseguiu reproduzir todas as características identificadas no objeto original. Agora, ele e o cientista forense Matteo Borrini, da Universidade John Moores, de Liverpool, nos aparecem com outra: as manchas de sangue do Sudário não seriam compatíveis com a ação da gravidade sobre as feridas de um crucificado.
Claro que a coisa virou notícia instantaneamente após a publicação no Journal of Forensic Sciences. Saiu na Newseek, no Independent (a matéria é absolutamente constrangedora), no BuzzFeed, na agência italiana Ansa, todos cravando: o Sudário é falso, fake.
Bem, eu li as sete páginas do artigo original de Borrini e Garlaschelli. O pretexto da coisa toda era tentar descobrir em que posição ou tipo de cruz o Homem do Sudário tinha sido crucificado, analisando o fluxo do sangue a partir das feridas. Em alguns casos, foi usado sangue real; em outros, sangue sintético. Desde já, chama a atenção o fato de todos os testes terem sido feitos em um único voluntário, sem todas aquelas repetições que costumamos ver em estudos científicos para se descobrir padrões. Ainda mais ridícula é a simulação da ferida no lado do Homem do Sudário, em que Borrini e Garlaschelli usaram um manequim, igual a esses que vemos em lojas, e espremeram nele uma esponja cheia de sangue. Difícil acreditar? Pois está até no vídeo que eles fizeram:
Mas que raio de simulação é essa? Como é possível que tenham aceito esse tipo de coisa como sendo realmente análoga a uma ferida de lança em um corpo humano?
Não surpreende que a reação tenha sido imediata e contundente. O vice-diretor do Centro Internacional de Sindonologia de Turim, Paolo di Lazzaro, lembrou, por exemplo, que as circunstâncias da crucifixão foram muito menos assépticas que as da experiência de Borrini e Garlaschelli, e a própria composição do sangue de alguém submetido a torturas é diferente daquela usada na experiência. Além disso, ressalto eu, o corpo de Cristo (e é disso que estamos falando, certo?) foi carregado, ungido, enfim, foi pesadamente manipulado antes de ser envolto no pano. Impossível que isso não tivesse reflexos nas manchas de sangue. Quanto a isso, os autores apenas se limitam a dizer, nos parágrafos finais da conclusão, que “Mesmo considerando possíveis episódios diferentes de sangramento (como movimentos do corpo ou sangramento post mortem), eles não apenas não estão documentados, como também, assim como as manchas lombares, parecem não ser realistas”. Desconsiderar esses fatores dessa maneira é apenas um achismo nada científico.
Borrini se defende dizendo que ele mesmo é um católico e que não precisa do Sudário para crer. De fato, é verdade; para nós, não muda nada se o Sudário for falso. E o pano tem mais é de ser estudado mesmo. Mas isso precisa ser feito com o rigor que esperamos da ciência, e não com gambiarras usando manequins, em que se parece primeiro partir de uma conclusão perseguida há tempos (pelo menos por Garlaschelli), a de que o Sudário é falso, para depois buscar os “dados” que a comprovem. Isso não é ciência, é picaretagem mesmo.
Leia também: A resposta de um legista aos picaretas do Sudário
Pequeno merchan
Inteligência americana pode ter colaborado com governo brasileiro em casos de censura no Brasil
Lula encontra brecha na catástrofe gaúcha e mira nas eleições de 2026
Barroso adota “política do pensamento” e reclama de liberdade de expressão na internet
Paulo Pimenta: O Salvador Apolítico das Enchentes no RS