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Está rodando nas mídias sociais, especialmente no Facebook, um banner lembrando que entre os membros da Pontifícia Academia de Ciências existem 24 prêmios Nobel (isso contando os integrantes atuais; se considerarmos os já falecidos, o total sobe para quase 50), e a seguir afirmações do tipo “a USP não tem nenhum, a Unicamp não tem nenhum, o Brasil não tem nenhum”. Meus amigos católicos que me desculpem (e venho conversando com alguns deles sobre isso desde ontem à noite), mas eu não gosto desse tipo de argumento.

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Afirmar que “a Pontifícia Academia de Ciências tem 24 prêmios Nobel e a USP não tem nenhum” é, como dizem os americanos, comparar maçã com laranja. Fica parecendo que o Vaticano teve alguma participação nesses prêmios Nobel, financiando trabalhos, oferecendo infraestrutura de pesquisa ou coisa do tipo, que é o que fazem instituições como USP, Unicamp, Harvard, Oxford, Cambridge, e por aí vai (não sei quantos prêmios Nobel têm Harvard, Oxford e Cambridge, mas devem ser mais que 24). Inclusive, dos 24 membros vivos da PAC que já foram laureados, apenas dois entraram na Academia antes de receber o Nobel: o belga Christian de Duve (membro da Academia desde 1970, Nobel de Medicina em 1974) e a italiana Rita Levi-Montalcini (entrou na PAC em 1974 e ganhou o Nobel de Medicina em 1986). Talvez se as pesquisas com células-tronco adultas financiadas pelo Pontifício Conselho para a Cultura renderem um Nobel seja possível, no futuro, fazer a comparação que mencionei no começo do parágrafo, mas por enquanto eu a considero um tanto temerária.

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A nobreza por trás da Pontifícia Academia de Ciências é de outra natureza. O objetivo da entidade, como definido pelos estatutos da PAC, é “promover o progresso das ciências matemáticas, física e naturais e o estudo dos problemas epistemológicos relacionados”, e por isso promove uma série de reuniões e plenárias para debater os mais diversos assuntos, e assim colabora na criação de conhecimento. Sua existência, por si só (independentemente de quantos prêmios Nobel façam parte), dá um sinal poderoso da maneira como a Igreja Católica vê a ciência. Além disso, naqueles assuntos em que, antes de se pronunciar, a Igreja vê a necessidade de um embasamento científico, a ajuda da Pontifícia Academia de Ciências é valiosa, e por isso faz todo o sentido se cercar dos melhores, dos mais capacitados para oferecer esse embasamento. Lembremo-nos das discussões sobre morte encefálica, que tiveram a participação da PAC e têm implicações sobre a moral. Mas, mesmo em assuntos que não têm ligação direta com a fé católica, como o derretimento de geleiras, a Academia tem sua colaboração a oferecer, e aí sim podemos sentir a contribuição do Vaticano para o avanço da ciência, ao promover o intercâmbio entre cientistas e estimular a discussão sobre determinados assuntos. Recordo a entrevista que fiz com um dos membros da Academia, o bioquímico chileno Rafael Vicuña, durante o VI Congresso Latino-Americano de Ciência e Religião, em outubro do ano passado, em que ele explica o funcionamento da Academia.

Em resumo, eu considero, sim, a existência da Pontifícia Academia de Ciências como prova da visão positiva que a Igreja tem em relação à ciência e como um “sinal visível que mostra aos povos, sem qualquer forma de discriminação racial ou religiosa, a harmonia profunda que pode existir entre as verdades da ciência e as verdades da fé”, nas palavras de João Paulo II (aliás, eu recomendo vivamente a leitura do discurso inteiro para o qual acabei de remeter); acredito que o Papa deve se cercar dos melhores conselheiros em todos os assuntos, inclusive os científicos, motivo pelo qual não me incomoda de modo algum que, dos 24 prêmios Nobel que fazem parte da PAC hoje, 22 tenham se juntado à Academia depois de terem recebido o prêmio. Mas, quando vejo argumentos do tipo “o Vaticano tem tantos e a USP não tem nenhum”, que reduzem tudo isso apenas a números, só me resta pensar, como em várias outras imagens de Facebook, que “você não está fazendo isso direito”.

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