No começo do mês eu comentei o congresso promovido pelo Vaticano e por uma empresa de biotecnologia sobre a pesquisa com células-tronco adultas (infelizmente os responsáveis pelo site do evento o deixaram como ele estava antes de o congresso começar). O congresso terminou no dia 11, e os participantes se encontraram com o Papa no dia seguinte, ocasião em que Bento XVI fez um discurso, que o site do Vaticano ainda não traduziu para o português.
O Papa alerta para o risco de que a dignidade e a inviolabilidade da vida humana acabe desprezada por considerações utilitaristas. O homem, agente da pesquisa científica, muitas vezes também se torna o objeto desta mesma pesquisa; até aí, não há problema. O que não se pode aceitar, diz Bento XVI, é transformar o homem, de beneficiário da pesquisa, em seu instrumento.
Após elogiar as pesquisas com células-tronco adultas, o Papa se volta à questão do uso de embriões. “A mentalidade pragmática que tantas vezes influencia a tomada de decisões no mundo atual está sempre pronta a autorizar quaisquer meios disponíveis para se alcançar determinado fim, apesar das evidências das consequências desastrosas de tal modo de pensar”, afirma, aplicando seu raciocínio à pesquisa com embriões. A finalidade muito nobre de conseguir a cura ou tratamentos eficazes para determinadas doenças não pode servir de pretexto para ignorar a reflexão ética.
“A Igreja contribui para este diálogo [entre ética e ciência] ajudando a formar as consciências de acordo com a reta razão e à luz da Verdade revelada. Ao fazê-lo ela procura não impedir o progresso científico, mas, pelo contrário, guiá-lo em uma direção que seja frutuosa e benéfica à humanidade. De fato, ela está convicta de que tudo que diga respeito ao homem, incluindo a pesquisa científica, ‘é não apenas recebido e respeitado pela fé, mas também purificado, elevado e aperfeiçoado’. Assim a ciência pode ajudar a servir o bem comum de toda a humanidade, com uma atenção particular aos mais fracos e vulneráveis”, afirma Bento XVI.
Uma confusão comum da imprensa nessas horas é dizer que a Igreja “ensina que a vida começa na concepção” como se ela tivesse tirado isso do nada. Claro, a Igreja sempre condenou o aborto desde o início do Cristianismo, quando os mecanismos biológicos dos primeiros momentos de uma nova vida eram desconhecidos, mas hoje a ciência oferece elementos suficientes para constatar que desde o momento da fecundação há um novo indivíduo humano, o que reforça a posição da Igreja na defesa da vida desde a concepção. A Declaração sobre o aborto provocado, de 1974, da Congregação para a Doutrina da Fé, reforça esse fato ao dizer que, independentemente da discussão teológica sobre em que momento a alma se junta ao corpo (debate que continua em aberto), a Biologia já mostra que desde a fecundação existe um novo ser humano.
Nesse sentido, um defensor da pesquisa com embriões fica com algumas perguntas incômodas para responder. Como diz a bióloga Lenise Garcia, da UnB, “se o embrião não é humano, ele é o quê?” Afinal, a genética não deixa dúvidas sobre a espécie a que o embrião pertence. Alguém poderia argumentar que as células que perdemos diariamente (e outras que eliminamos deliberadamente) também são humanas, e não há comoção nenhuma por isso; mas o embrião é um indivíduo, e ignorar essa distinção é passar o mesmo atestado de burrice (ou de má-fé) de um certo comentarista televisivo que, anos atrás, tentando atacar a Igreja nesse mesmo debate das células-tronco, disse que “então masturbação é genocídio”. Seria até mais coerente (embora macabro) que alguém dissesse “sim, o embrião é um indivíduo humano, mas pode ser eliminado em nome dessa ou daquela cura”. E acho que não é preciso pensar muito para entender por que considero esse modo de pensar macabro.
Um breve PS: uma empresa americana pioneira no uso de embriões anunciou que está abandonando a pesquisa nesse campo. Não posso deixar de ver nas falas dos envolvidos ecos do pensamento utilitarista, tanto por parte do representante da fundação (que dá para resumir em “se tecnicamente é possível ser feito, então deve ser feito”) quanto por parte do laboratório (que dá para resumir em “ficaremos só com o que é promissor/vamos aonde o dinheiro está”). Por essas e outras que eu considero a falta de resultados o pior argumento possível para ser contra a pesquisa com embriões. Primeiro, porque um dia pode ser que haja resultados. Segundo, porque olhar só pelo lado dos resultados ignora o debate ético. Garanto que todos nós temos nossas listinhas de coisas que “funcionam” e que mesmo assim nunca deviam ter sido feitas.
Prêmio Top Blog 2011
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