Um dos últimos compromissos do papa Francisco antes de sua viagem ao Cazaquistão foi o discurso aos membros da Pontifícia Academia de Ciências, no último sábado, dia 10. A plenária deste ano teve como tema “Ciência básica para o desenvolvimento humano, paz e saúde do planeta”, e Francisco bateu bastante nesta tecla em seu discurso, recordando o trabalho da Academia diante de uma série de emergências que afligem o planeta, como a fome ou as catástrofes ambientais que afetam especialmente os mais pobres. “Os feitos científicos deste século precisam estar sempre direcionados às necessidades de fraternidade, justiça e paz, e ajudar a resolver os grandes desafios enfrentados pela família humana e pelo meio ambiente”, afirmou o papa.
Queria destacar aqui várias outras falas do pontífice, a começar pela sua resposta sobre a própria existência da Pontifícia Academia de Ciências. “A Igreja abraça e incentiva a paixão pela pesquisa científica como uma expressão de amor pela verdade e pelo conhecimento sobre o mundo nos níveis macro e microscópico, e sobre a vida em todo o seu esplendor sinfônico. São Tomás afirma que ‘o fim de todo o universo é a verdade’. Como parte do universo, temos uma responsabilidade única, que deriva de nossa capacidade de se maravilhar e perguntar ‘por quê?’ quando nos deparamos com a realidade”, diz o papa.
Precisamos abandonar, de uma vez por todas, a ideia de uma ciência que não reflita sobre as consequências de suas ações. A técnica não se sobrepõe à ética
Em seguida, Francisco lembrou que a cooperação entre a ciência e outras disciplinas do pensamento podem oferecer as respostas de que o mundo precisa. “Essa abordagem interdisciplinar é muito importante porque, à medida que os avanços científicos aumentam nosso maravilhamento diante da beleza e da complexidade da natureza, há uma necessidade maior de estudos interdisciplinares ligados à reflexão filosófica, que podem levar a uma nova sínteses. Essa visão interdisciplinar, se também levar em consideração a Revelação e a teologia, pode ajudar a dar resposta às questões mais importantes da humanidade, que também estão sendo feitas pelas novas – e às vezes desorientadas – gerações.”
Por fim, destaco o aviso que o papa faz a respeito da necessidade de uma ciência que não seja centrada em si mesma e que não faça uma reflexão ética. Na publicação mais recente, eu mencionei a crítica que Joseph Ratzinger fazia, em 1981, à ciência que considera moralmente permissível tudo o que é tecnicamente possível; mais de 40 anos depois, Francisco deixa claro que “os resultados positivos da ciência neste século 21 dependerão muito da capacidade dos cientistas de buscar a verdade e empregar suas descobertas em conjunto com a busca pelo que é correto, nobre, bom e belo”.
O legado de décadas de “avanços” científicos sem o respectivo questionamento sobre se tais avanços seriam corretos ou condizentes com a dignidade humana foi a barbárie. Precisamos abandonar, de uma vez por todas, a ideia de uma ciência que não reflita sobre as consequências de suas ações. A técnica não se sobrepõe à ética, e nem tudo que é tecnicamente possível deve ser colocado em prática. O fenômeno moderno da hiperespecialização do conhecimento, no entanto, privou muitos cientistas de conceitos filosóficos e éticos básicos; Francisco está ressaltando a necessidade de unir de volta o que foi separado tempos atrás, e conta com a Pontifícia Academia de Ciências neste esforço.
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