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Pedras no caminho da compatibilidade entre catolicismo e evolução
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Já repetimos várias vezes aqui no blog que a Igreja Católica não vê problemas com a teoria da evolução proposta por Darwin, e já citamos tanto Pio XII na encíclica Humani Generis quanto João Paulo II no discurso de 1986 à Pontifícia Academia de Ciências. Isso não significa, no entanto, que não existam arestas a aparar. No Huffington Post, John Farrell comenta essas dificuldades ao resenhar God and Evolution?: Science Meets Faith, do geneticista Gerard Verschuuren. O livro é dirigido aos católicos e seu objetivo é convencê-los a finalmente entender a conciliação possível entre catolicismo e evolução.

A avaliação que Farrell faz do livro é amplamente positiva considerando o que ele oferece: uma introdução sobre as relações entre fé e razão; um capítulo sobre a origem do homem de acordo com as Escrituras; outro sobre a origem do homem de acordo com a ciência (o coração do livro, segundo Farrell); uma refutação do criacionismo e do Design Inteligente; uma igual refutação das filosofias materialistas surgidas usando Darwin como pretexto, com o cuidado de separar uma coisa da outra; e uma avaliação final traçando as bases da conciliação. “Como livro dirigido a católicos que desejam conhecer melhor a ciência da evolução e o debate sobre seu papel na sociedade e na cultura, God and Evolution cumpre seu papel de forma admirável”, afirma.


Não sobrou muito da visão do renascentista Paolo Uccello sobre o pecado original, na basílica florentina de Santa Maria Novella. (Imagem: Reprodução)

Mas, em sua resenha, Farrell lamenta o que ficou de fora, que ele considera ainda mais fascinante. Entre as pedras no meio do caminho entre catolicismo e evolução, por exemplo, está a questão do pecado original. Não é novidade: o próprio Pio XII já havia percebido isso ao defender o monogenismo (a tese de que a humanidade descende de um único casal), e por isso escreveu que “tratando-se de outra hipótese, isto é, a do poligenismo, os filhos da Igreja não gozam da mesma liberdade, pois os fiéis cristãos não podem abraçar a teoria de que depois de Adão tenha havido na terra verdadeiros homens não procedentes do mesmo protoparente por geração natural, ou, ainda, que Adão signifique o conjunto dos primeiros pais; já que não se vê claro de que modo tal afirmação pode harmonizar-se com o que as fontes da verdade revelada e os documentos do magistério da Igreja ensinam acerca do pecado original (grifo meu). Daí se vê que a harmonização, embora possível, não é assim tão simples, e exige mais pesquisa por parte dos teólogos, já que a evidência científica não pode ser simplesmente descartada, como advertia o quase padroeiro informal do blog (pelo menos em número de citações), são Roberto Belarmino.

Se por um lado não me parece que a teóloga Talitha Wiley, citada na resenha, esteja correta ao dizer que a Igreja Católica ofereceu resistência inicial à teoria da evolução justamente pela questão do pecado original, por outro é verdade que a Igreja ainda mantém a doutrina enunciada por Pio XII em 1950. Acontece que até o momento não apareceu nenhuma alternativa totalmente convincente, ou pelo menos que já tenha sido analisada a fundo em todas as suas implicações para poder ser aceita pela Igreja. E eu não fico surpreso com isso, pois desenvolvimentos teológicos podem levar séculos, se necessário. Existe, por exemplo, a tese do “poligenismo monofiletista”, que se não me engano era defendida pelo falecido dom Estêvão Bettencourt, para quem a humanidade descendia de um primeiro grupo (e não de um primeiro casal) coeso e que se rebelou integralmente contra Deus.

Farrell cita alguns teólogos que vêm propondo alternativas que finalmente aparem as arestas que sobraram entre catolicismo e evolução, e dá atenção especial a uma hipótese, apresentada por Kenneth Kemp na revista American Catholic Philosophical Quarterly; o artigo se chama Science, Theology and Monogenesis. Lembrando que o homem, na antropologia católica, é corpo e alma, ele cita a distinção, feita por outro autor, entre “espécie biológica” (a população capaz de se reproduzir entre si) e “espécie filosófica“, que seria o pulo do gato. Ele postula que, dentro de uma população de Homo sapiens, dois deles teriam sido escolhidos por Deus para receber uma alma imortal e um destino eterno. Tendo desobedecido a Deus, seguiram suas vidas, tendo filhos e transmitindo a eles o pecado original; os filhos, por sua vez, criariam famílias com outros Homo sapiens, digamos, “sem alma”, mas transmitindo também o pecado original para sua descendência, e assim sucessivamente.

Mas como garantir que, a partir de um certo ponto, todo o gênero humano descendesse daquele primeiro casal? O que Andrew Alexander (o autor da distinção citada) sugere é que aquele casal de Homo sapiens, antes de receber de Deus os atributos sobrenaturais, passou por uma mutação genética final que, não sendo forte o suficiente para dar início a uma nova espécie (possibilitando, assim, que a reprodução com outros Homo sapiens continuasse possível), criava um gene dominante que, à medida que esse casal e seus descendentes fossem se reproduzindo, acabaria eliminando a população com o gene recessivo. Kemp defende que sua posição é totalmente ortodoxa, uma avaliação que eu não saberia fazer de imediato, e ainda explica que sua concepção não implica em nenhum dualismo (uma objeção levantada por Farrell na resenha que motivou esse post), algo que a teologia católica vem botando de lado já há muito tempo. Pode ser um ponto de partida, mas minha aposta é de que essa discussão ainda leva algumas décadas até um consenso final.

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