Já comentei aqui no blog que não acho o termo “acomodacionismo” adequado para descrever aqueles que acreditam na compatibilidade entre ciência e religião. O termo, para mim, passa uma noção de que ciência e fé meramente se toleram, o que não é o caso para a maioria das pessoas classificadas como sendo parte do grupo do “outro A”, como brincou comigo o presidente da American Atheists em Denver (o primeiro “A”, obviamente, é de “ateu”). Mas parece que o termo está se popularizando, talvez por falta de alternativa.
Poucos dias antes da minha viagem, o filósofo Michael Ruse, ele mesmo um autodenominado acomodacionista, mas sem fé religiosa (ele diz que sua fé morreu com Anne Frank no campo de concentração de Bergen-Belsen), publicou um texto no Huffington Post explicando como a posição acomodacionista poderia avançar um pouco no debate entre ciência e fé. Guardadas, claro, certas ressalvas; afinal, nem toda crença religiosa bate com as descobertas da ciência moderna.
O que a maioria dos acomodacionistas vai dizer é que ciência e religião respondem a perguntas diferentes. O costume é afirmar que a ciência pergunta o “como?” e a religião pergunta o “por quê?”. Até aí está tudo muito bem, diz Ruse. Mas os acomodacionistas poderiam colocar na mesa um outro tipo de debate: por que existem questões que a ciência não consegue resolver? e mais: por que as questões que a ciência não consegue resolver são umas, e não outras? Confira um exemplo dado por Ruse: “Se existe um criador, então é evidente que ele (ou ela, ou isso) precisa ser um ‘ser necessário’ de alguma forma, do contrário você cai na eterna questão sobre o que criou Deus. Se Deus é um ser necessário (como alegam os cristãos), então não é necessária resposta nenhuma. Nada criou Deus. Deus sempre existiu, necessariamente, assim como 2+2 dá 4 sempre, necessariamente. Mas agora a questão é: por que a ciência não lida com seres necessários?”
Para tentar jogar uma luz nessa questão, Ruse recorre ao conceito de Thomas Kuhn de ciência como metáfora e examina as metáforas da Terra como organismo (segundo os gregos antigos), e da Terra como máquina (da época iluminista). O problema, diz o filósofo, é que as metáforas são boas para a ciência, mas deixam muita coisa fora da discussão. A metáfora da máquina, por exemplo, não diz nada sobre as origens últimas, nem sobre moralidade. O fato é que questões sobre esses assuntos existem; se a ciência não se debruça sobre essas questões, mas se a religião acha que pode respondê-las, por que negar esse direito?
O Tubo de Ensaio se classificou para a segunda fase do prêmio Top Blog, na categoria “Religião”. Nesta nova etapa, a votação popular recomeça do zero. Continuo contando com o voto de vocês!
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