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A resolução do Conselho Federal de Medicina relativa à diretiva antecipada de vontade, uma declaração sobre que meios extraordinários podem ser usados para manter a vida de um paciente terminal, ainda mobiliza os bispos brasileiros. Depois do presidente da CNBB, dom Raymundo Damasceno (cujas afirmações eu comentei na semana passada), agora foi a vez de dom Antônio Augusto Duarte, bispo auxiliar do Rio de Janeiro, que publicou, no site da CNBB, uma explicação sobre ortotanásia, eutanásia e o que isso tem a ver com a orientação do CRM.

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Já vi dom Antônio fazer comentários sobre temas de bioética anteriormente, e sei que ele entende do assunto, e inclusive é membro de um punhado de comissões de Vida e Família, locais, nacionais e internacionais. E novamente ele acerta nas explicações sobre eutanásia e ortotanásia. Mas fiquei com a impressão de que o bispo está alarmado com situações já contempladas pela resolução do CFM. A apreensão relativa a uma possível brecha para a implantação da eutanásia no Brasil é legítima, mas, como já lembramos aqui, o próprio Código de Ética Médica do CFM já é bem enfático em sua proibição da eutanásia. Então, quando o bispo diz:

Essa Diretiva Antecipada de Vontade ou Testamento Vital, conforme o CFM, não me parece que seja um avanço na relação médico-paciente, não me parece que seja um progresso, porque esse procedimento pode não estar diretamente relacionado à ortotanásia. Pode estar diretamente ligado à eutanásia.

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acho que ele está propondo um cenário que não se aplica. Ele justifica sua afirmação dizendo que:

qualquer coisa que você faça sobre aquela pessoa que vai antecipar a morte, isso é, propriamente dito, eutanásia, embora alguns queiram manipular a opinião pública dizendo que isso é ortotanásia. Não é. Ortotanásia é interrupção de meios desproporcionais. Eutanásia é interrupção de meios proporcionais.

De tudo que li e ouvi da parte do CFM, todos os exemplos eram justamente de ortotanásia, de meios desproporcionais. Gostaria que dom Antônio Augusto fosse mais claro ao falar sobre “manipulação da opinião pública”. Pode acontecer? Claro que pode, mas em que casos isso ocorreu? Eu tenho curiosidade de saber em que situações específicas a eutanásia foi vendida como sendo ortotanásia.

Da mesma forma, dom Antônio Augusto expressa uma preocupação com a diretiva antecipada de vontade nos seguintes termos:

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De acordo com o bispo auxiliar do Rio de Janeiro, não existe suporte ético para cumprir o que prescreve o paciente porque esta orientação aos médicos dá à pessoa o direito absoluto sobre a sua vida no momento em que está fragilizada pelo sofrimento:

“A pessoa, mesmo que esteja com uma doença terminal com morte iminente, não pode dizer: ‘me mate agora, porque eu vou morrer semana que vem’.

Mas, segundo as regras estipuladas pelo CFM, ainda que o paciente diga isso, ainda que o paciente escreva isso, o médico não poderá fazê-lo. A resolução do CFM declara inválida a diretiva antecipada de vontade que estipule algo contrário ao Código de Ética Médica. Assim, qualquer solicitação no sentido de praticar a eutanásia seria inválida e o médico não estaria obrigado a cumprir essa vontade do paciente.

De resto, acho muito importante que se continue ressaltando a necessidade de nunca interromper os meios ordinários e proporcionais de manutenção da vida, bem como a alimentação, a hidratação e o alívio da dor. Nisso os bispos têm muito a contribuir, esclarecendo tanto o público geral quanto os médicos católicos, que podem ter dilemas de consciência na hora concreta de desligar um respirador ou não ressuscitar um paciente que teve uma parada cardiorrespiratória.

Na verdade, existe um ponto nessa história toda que me incomoda: o fato de que um médico pode anotar a diretiva antecipada de vontade na ficha do paciente sem a necessidade de testemunhas ou assinaturas. Isso, sim, abre a porta para possíveis fraudes, ainda mais quando sabemos que UTIs no mundo inteiro vivem dilemas quando há pacientes terminais tendo sua agonia prolongada enquanto outros, com perspectivas de cura ou recuperação, correm o risco de ficar sem um leito. É o tipo de situação real que já me foi relatada por intensivistas, quando escrevi reportagens sobre o assunto. O que impede um médico inescrupuloso (e gente inescrupulosa existe em toda profissão) de “fabricar” uma diretiva antecipada de vontade para liberar leitos de UTI? Talvez esse seja um ponto que valha a pena discutir melhor.

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