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Quem nasceu pra Gabriel Chalita não chega a Francis Collins

Esse post vai incluir um pouco de política no meio. Peço paciência aos leitores.

Como jornalista, sei que às vezes só se consegue uma informação decente trabalhando nos bastidores, usando o chamado off. Mas, por outro lado, quando uma reportagem é construída toda em cima de off, o leitor tem o direito de ficar com a pulga atrás da orelha. Foi o que aconteceu ontem, quando a Folha noticiou que a nomeação de Gabriel Chalita como ministro de Ciência e Tecnologia estava fazendo água. Segundo a reportagem, “interlocutores presidenciais acentuaram críticas de que o peemedebista, por ser muito religioso, misturaria os conceitos de ciência e fé à frente da pasta”. Não temos nenhum cientista ou “interlocutor presidencial” dando a cara com alguma declaração nesse sentido, como bem lembrou o Reinaldo Azevedo quando comentou o assunto, ontem.


Havia tantos motivos possíveis e plausíveis para questionar a nomeação de Gabriel Chalita para o Ministério da Ciência e Tecnologia, mas foram alegar justo um preconceito… (Foto: Leonardo Prado/Agência Câmara)

Achei engraçado a repórter associar Chalita com “alas mais tradicionalistas da Igreja Católica”; significa que a jornalista não tem a menor ideia do que está dizendo. Do ponto de vista católico, Chalita não passa de um traidor. Fez seu nome em cima da Igreja Católica para, em 2010, se abraçar com Dilma Rousseff. A repórter diz que “(n)a campanha de 2010, ele foi fundamental para desfazer rumores de que [Dilma] era favorável ao aborto” (destaque meu). Rumores uma ova, já que existem provas suficientes sobre a opinião de Dilma a respeito do tema, como também lembra o Reinaldo Azevedo. Chalita não foi “desfazer rumores”; foi é mentir para garantir o voto dos católicos ingênuos para a candidata. O resultado estamos todos vendo aí.

Mas, voltando ao assunto, acho que existem milhões de motivos para a comunidade científica não querer Gabriel Chalita. O primeiro deles é o fato de ele ser totalmente despreparado. Mas, num país onde Guido Mantega é ministro da Fazenda, Edison Lobão tem a pasta das Minas e Energia, Garibaldi Alves é ministro da Previdência, Marcelo Crivella é ministro da Pesca e Aloizio Mercadante já chefiou justamente a Ciência e Tecnologia (aparentemente sem reclamação dos cientistas), ter gente despreparada na Esplanada é regra, não exceção.

Agora, supondo que a reportagem esteja correta, vetar Chalita porque ele é “muito religioso” (o que eu questiono, caso estejamos falando de catolicidade) e porque “misturaria os conceitos de ciência e fé à frente da pasta” é preconceito puro. O blog repetidamente traz exemplos de cientistas que souberam conciliar sua fé religiosa com seu trabalho científico, muitas vezes proporcionando grandes avanços à ciência.

A gritaria anônima dos cientistas brasileiros, se verdadeira, me lembra muito a gritaria de cientistas ateus norte-americanos (que, justiça seja feita, não tiveram vergonha de dar as caras) em 2009, quando Francis Collins foi apontado como favorito para chefiar o National Institutes of Health, e acabou nomeado para o posto por Barack Obama. Claro que é uma sacanagem comparar Chalita com Collins, um geneticista respeitadíssimo com uma carreira notável, especialmente como diretor do Projeto Genoma Humano. Mas o preconceito é o mesmo. Aí você perguntava “mas então só ateus poderiam chefiar o NIH (ou, na versão brazuca, o Ministério da Ciência e Tecnologia)?”, e eles começavam a murchar e se contradizer. “Não, mas veja bem, não tem problema ser religioso, mas é que o Collins é muito religioso, e ainda por cima fala sobre isso…”, e por aí seguiam os argumentos; curiosamente, não acho que essas mesmas pessoas teriam visto problema caso o nomeado fosse alguém “muito ateu” e que também falasse sobre isso. Bom, até o momento Collins vem calando a boca dos críticos à frente do NIH. Não sei se Chalita faria o mesmo, mas eu prefiro não pagar para ver. A única diferença é que meus motivos são diferentes dos motivos daqueles que não conseguem ver a conciliação possível entre ciência e fé.

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