Quando pensamos em “religião na aula de Ciências”, a primeira coisa que nos vem à cabeça é a tentativa de ensinar o criacionismo lado a lado com a teoria da evolução, como se fossem meras explicações rivais para a variedade da vida na Terra, ignorando as evidências em favor da evolução e desconsiderando que o criacionismo parte de premissas totalmente não científicas. Até aí muitos (sei que não todos) estamos de acordo. Mas, e quando é ao contrário?
No dia 28 de setembro, um domingo, o New York Times publicou um artigo do professor David Barash, da Universidade de Washington (o site do jornal publicou o artigo na véspera). No texto, Barash diz que, sempre que começa o ano letivo acadêmico, ele tem uma conversinha com seus alunos. Pelo que entendi, ele dá aula de Comportamento Animal, e a evolução é um fator onipresente nesse campo. “É irresponsável ensinar Biologia sem a evolução”, ele diz. Até aí, tudo bem, porque é isso mesmo. Acontece que a “conversinha” é sobre como não dá para conciliar crença religiosa com a evolução. Ele resolveu falar disso aos alunos ao perceber que alguns deles ficavam desconfortáveis com a questão da evolução diante de suas convicções de fé. Inicialmente, Barash achava que isso era problema de cada um. Mas, como o desconforto parece aumentar em vez de regredir, ele resolveu fazer esse sermão logo de cara, no início das aulas.
Ficamos sabendo, pelo artigo, que Barash e Stephen Jay Gould já quebraram o pau em público porque aquele discorda totalmente dos Magistérios Não Interferentes. E aí Barash começa a explicar por que discorda dos MNI, e a coisa começa a degringolar. Ele diz que, à medida que a ciência da evolução progrediu, ela acabou com dois importantes elementos da fé. O primeiro seria o argumento da complexidade, que exigiria um criador sobrenatural. Pode até ser, mas quem disse que a complexidade é um elemento inerente a toda fé religiosa, ou mesmo a todo o Cristianismo? E o segundo é o que Barash chama de “ilusão da centralidade”, referindo-se ao papel especial do ser humano na criação. É aquela mesma lenga-lenga que os ateístas dizem começar com Copérnico e terminar com Darwin: que a ciência tirou o homem do pedestal em que se encontrava, acreditando ser imagem e semelhança de Deus, quando na verdade ele é só um animal como os outros e cujo planeta nem é o centro do universo, etc. etc. etc. Esse discurso rasteiro ignora completamente aquilo que faz o homem especial, e que não tem nada a ver com suas características físicas, como já dissemos aqui inúmeras vezes. “Nenhuma característica sobrenatural foi algum dia encontrada no Homo sapiens“, diz Barash, como se o sobrenatural pudesse ser apreendido pela ciência, e como se ausência de evidência fosse evidência de ausência (o professor precisa ler mais Carl Sagan). “Somos naturais como podemos ser e indistinguíveis do resto do mundo vivente tanto no nível das estruturas quanto no de seus mecanismos psicológicos”, acrescenta. De fato, mas isso não diz absolutamente nada conclusivo sobre a inexistência de realidades sobrenaturais.
Depois de fazer umas considerações nada científicas sobre a questão da dor e como ela se relaciona com a evolução, Barash termina dizendo que sempre encerra sua palestra dizendo que, se alguém quiser manter sua fé religiosa sem abrir mão do que há de mais moderno em ciência evolucionária, precisará fazer um tremendo contorcionismo mental. Ou seja, na prática, embora o professor Barash não diga isso em seu artigo, o que ele faz é defender em sala de aula o ateísmo ou, pelo menos, o agnosticismo, duas posições tão “não científicas” quando qualquer crença religiosa.
Aí eu pergunto: se achamos errado promover o criacionismo em aula de Ciências, usar a ciência para promover o ateísmo/agnosticismo em sala de aula também não é igualmente errado? Até mesmo o ateu militante Jerry Coyne acha que sim. Coyne diz concordar com tudo o que Barash escreveu (não surpreende), mas acha que ele deveria parar de falar de religião (ou contra ela, dá na mesma) em sala de aula. “Meu trabalho é ensinar ciência, não discutir as crenças religiosas de meus alunos, nem mostrar como a ciência se opõe a elas, nem dizer a eles que eles podem ter Darwin e Jesus”, diz Coyne, sugerindo a Barash que deixe de lado a sua palestra inaugural. “Se os estudantes me perguntam ‘professor Coyne, como isso se relaciona com a religião, na sua opinião?’, eu digo a eles que, se querem discutir isso, ficarei feliz de marcar uma conversa em minha sala”, acrescenta. Melhor assim.
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