Não tem jeito, um mês de férias nunca é suficiente para as viagens planejadas, o descanso que merecemos e as leituras que gostaríamos de fazer. De volta ao trabalho, é hora da retrospectiva com o que aconteceu de mais interessante em abril, pelo menos no que nos diz respeito aqui no blog.
(eu pretendia retomar os posts falando da ligação do Papa Bento XVI para a Estação Espacial Internacional, prevista para ocorrer às 12h30 de hoje, horário de Brasília. A conexão marcaria a primeira vez em que dois astronautas italianos estariam na ISS, mas um deles, Roberto Vittori, ainda está em terra, já que a decolagem do ônibus espacial Endeavour, que deveria ter ocorrido em 29 de abril, foi adiada e não deve ocorrer pelo menos até o dia 10. Não consegui descobrir se o atraso alterou os planos do Vaticano.)
Prêmio Templeton
No dia 6 de abril, enquanto eu estava caminhando no glaciar Perito Moreno, na Patagônia argentina, a Fundação John Templeton anunciou que o astrofísico britânico Martin Rees, que tem o título de Astrônomo Real e foi presidente da Royal Society até ano passado, foi escolhido para o Prêmio Templeton de 2011. Segundo a descrição da fundação, o prêmio “homenageia uma pessoa viva que tenha feito uma contribuição excepcional para afirmar a dimensão espiritual da vida, seja por meio de ideias, descobertas ou ações práticas”. Um dos temas mais frequentes de Rees é o futuro da humanidade. Aqui no blog já repercutimos uma declaração do astrofísico (que tem inclusive um asteroide com seu nome), relativa ao último livro de Stephen Hawking.
Rees é ateu, mas costuma ir à igreja por motivos culturais (e o fato de a igreja que frequenta ter o quinto melhor coral do mundo também ajuda, como ele diz nesta entrevista ao Guardian), e não é “alérgico à religião”, como diz. Mesmo assim, prefere não se envolver em debates sobre ciência e religião, e até por isso ficou um pouco surpreso com o prêmio. O ateísmo militante se enfureceu com a escolha (se bem que Coyne, Dawkins e companhia teriam feito críticas independentemente do escolhido), mas o próprio Guardian, em um editorial, oferece uma visão bem mais equilibrada. Mas melhor ainda é o artigo do próprio Martin Rees na New Statesman.
Oh, happy day
Como em toda Semana Santa, os canais de televisão por assinatura deitaram e rolaram com documentários de temática religiosa. O problema é que muitos deles eram exibidos à noite, quando pelo menos os católicos costumam estar na igreja, por exemplo na Quinta-Feira Santa (para a missa do lava-pés) e no sábado (para a Vigília Pascal). Então só consegui ver alguma coisa na Sexta-Feira Santa e no domingo de Páscoa. Peguei no meio um documentário sobre crucificações (acho que foi no History Channel, mas não tenho certeza), que examinava essa pena capital do ponto de vista histórico e médico, e abordava também a morte de Jesus, com a hipótese de que a causa mortis foi o rompimento de um aneurisma, o que explicaria por que jorrou sangue e água quando o soldado romano abriu o lado de Cristo com uma lança.
No domingo, vi no History A ciência escondida na Bíblia (ou coisa parecida), um episódio de uma série chamada “Inventos da Antiguidade”, ou pelo menos foi isso que entendi. O programa examinava algumas passagens da Escritura procurando por verossimilhança, como no caso da Torre de Babel, em que pesquisadores concluíram que seria possível, com a tecnologia da época, fazer um zigurate que “chegasse até o céu” (quer dizer, tivesse o tamanho de um arranha-céu moderno); ou a história de Davi e Golias, com medições comprovando que um atirador com precisão considerável conseguiria matar uma pessoa usando uma funda simples. Outros exames analisavam casos como o da Arca da Aliança que flutuava no ar, e o fogo que surgiu sozinho quando Elias desafiou os sacerdotes de Baal. No caso da Arca, cientistas usaram supercondutores para fazer uma caixa flutuar, mas admitiram que não se conhece nada que funcione assim à temperatura ambiente (a experiência usou supercondutores congelados); quanto ao fogo, químicos usaram substâncias conhecidas na Antiguidade que, misturadas, poderiam iniciar uma fogueira, mas, se o truque era tão conhecido a ponto de ser usado por Elias, por que os sacerdotes de Baal também não o empregariam?
Mas o programa mais interessante que eu vi nesses dias foi A verdadeira face de Jesus, também no History (se alguém souber se isso existe em DVD, por favor avise). Usando como gancho o trabalho de uma equipe que pretendia reconstruir o rosto de Cristo em 3D, o programa (feito em 2010) analisa o Sudário de Turim, seu trajeto ao longo dos séculos, as alegações de falsidade e suas características científicas. O documentário mostra, por exemplo, os argumentos que lançam dúvidas sobre a precisão dos testes de carbono 14 que apontavam uma origem medieval para o sudário; também menciona tentativas de reproduzir o pano, mas os entrevistados lembram que nenhuma cópia feita até hoje consegue imitar certas características do sudário.
Os entrevistados incluem cientistas do Sturp (o projeto que analisou o sudário no fim dos anos 70), que afirmam: até hoje ainda não se sabe o que formou a imagem do pano. O programa ainda analisa hipóteses como a da formação de imagem por radiação, mostrando suas inconsistências. No entanto, os cientistas dizem que não cabe a eles se pronunciar sobre o evento da ressurreição de Cristo, ou mesmo sobre o fato de o pano ter sido usado para envolver o corpo de Jesus. De fato, como dizem os italianos Bruno Barberis e Massimo Bocaletti em um livro sobre o Sudário, existem três níveis de “autenticidade”: no primeiro nível, o pano é autêntico se a imagem e as manchas foram feitas por um cadáver humano, por meio de procedimentos naturais; no segundo nível, o pano é autêntico se for um lençol do século I d.C. usado para envolver um corpo (não necessariamente “aquele Lençol”, nem “aquele Corpo”); no terceiro nível, o pano é autêntico se for o lençol de que falam os Evangelhos, que envolveu o corpo de Cristo para o sepultamento. A ciência só pode atestar a autenticidade nos dois primeiros níveis; quanto ao terceiro, é questão de fé.
Aliás, sobre programas de Semana Santa, reparei que já faz uns dois ou três anos que o Discovery já não exibe aquele documentário do “sepulcro de Jesus”, produzido pelo James Cameron. O que é uma ótima notícia: já o vi duas vezes, e a ciência apresentada lá é incompleta, para não dizer distorcida com o objetivo de conduzir o espectador à conclusão desejada pelos documentaristas. Inclusive lembro de uma ocasião em que o próprio Discovery exibiu, após o documentário, um debate com a participação de cientistas, arqueólogos e os responsáveis pelo filme, que simplesmente não tinham respostas decentes a todos os questionamentos levantados. Um dos arqueólogos definiu o documentário como “archeo-porn”. A descrição não podia ter sido mais feliz.
A retrospectiva não termina aqui; até o fim da semana sigo comentando outras notícias e eventos de abril.
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