Hoje terminamos a recapitulação das notícias mais interessantes do mês de abril, em que eu estava de férias.

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Homilia do Papa
O Papa Bento XVI voltou a abordar, de passagem, o tema da criação e da evolução em uma homilia. Ele já havia tomado emprestada uma linguagem científica nas vigílias de Páscoa de 2006 e 2009. E voltou a usar a festa máxima do Cristianismo para fazer suas reflexões de ciência e fé. Na Vigília Pascal deste ano, voltou a rejeitar uma interpretação 100% literal do relato da criação (a primeira leitura bíblica feita na cerimônia):

Na Vigília Pascal, o percurso ao longo dos caminhos da Sagrada Escritura começa pelo relato da criação. Desta forma, a liturgia quer-nos dizer que também o relato da criação é uma profecia. Não se trata de uma informação sobre a realização exterior da transformação do universo e do homem. Bem cientes disto estavam os Padres da Igreja, que entenderam este relato não como narração real das origens das coisas, mas como apelo ao essencial, ao verdadeiro princípio e ao fim do nosso ser.

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Mas o trecho mais destacado pela imprensa veio a seguir. Após lembrar que “o relato da criação diz-nos que o mundo é uma produção da Razão criadora”, Bento XVI fala do papel do homem na criação (o destaque é meu):

Como crentes, respondemos com o relato da criação e com São João: na origem, está a razão. Na origem, está a liberdade. Por isso, é bom ser uma pessoa humana. Assim o que sucedera no universo em expansão não foi que por fim, num angulozinho qualquer do cosmos, ter-se-ia formado por acaso também uma espécie como qualquer outra de ser vivente, capaz de raciocinar e de tentar encontrar na criação uma razão ou de lha conferir. Se o homem fosse apenas um tal produto casual da evolução num lugar marginal qualquer do universo, então a sua vida seria sem sentido ou mesmo um azar da natureza. Mas não! No início, está a Razão, a Razão criadora, divina. E, dado que é Razão, ela criou também a liberdade; e, uma vez que se pode fazer uso indevido da liberdade, existe também o que é contrário à criação. Por isso se estende, por assim dizer, uma densa linha escura através da estrutura do universo e através da natureza do homem. Mas, apesar desta contradição, a criação como tal permanece boa, a vida permanece boa, porque na sua origem está a Razão boa, o amor criador de Deus.

Aqui o Papa entra numa questão bem conhecida, a do propósito do universo, que já foi tema de debates acalorados, por exemplo entre os britânicos Richard Dawkins e Mary Midgley, que cunhou o termo “Dawkinsismo” para designar a afirmação de que o universo não tem propósito algum, já que Darwin mesmo não trata do assunto. Até onde podemos saber, a existência ou não de propósito no universo é algo que está além do alcance da ciência. As pessoas são livres para discordar do Papa, mas, acredito, devem fazê-lo mais em termos filosóficos que científicos neste caso.

(esse vídeo foi o que eu achei. Se alguém souber de um vídeo incorporável com a homilia toda, sem narração por cima, ou no máximo a tradução simultânea, agradeço)

Mais um debate
A Universidade de Notre Dame, nos Estados Unidos (que é como a maioria das nossas PUCs, católicas só de nome mesmo), recebeu Sam Harris e William Lane Craig para um debate sobre os fundamentos da moralidade, baseado no livro mais recente de Harris, The Moral Landscape. A julgar por este relato de Nathan Schneider no Religion Dispatches, o tema da existência de Deus ficou de lado, com maior prioridade para questões relativas à origem do comportamento moral. Schneider diz que os debatedores passaram a maior parte do tempo se esquivando. Eu ainda não pude ver o debate todo, mas o vídeo está aí, para quem quiser ver e tirar suas conclusões:

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Mais Sam Harris
Na primeira parte da retrospectiva comentei a entrega do Prêmio Templeton ao astrofísico ateu Martin Rees, o que deixou outros ateus enfurecidos. Sam Harris é um dos que criticou o fato de Rees ter aceito o prêmio. O Guardian promoveu uma breve discussão entre Harris e Robert Winston, na qual o prêmio deixou de ser o assunto logo no começo. Harris alega que a religião polariza o mundo, e Winston responde que o ateísmo militante, no fundo, faz a mesma coisa. E no fim os dois passam a conversar sobre o geneticista Francis Collins, autor de A linguagem de Deus. Quando Winston pergunta a Harris se o fato de Collins crer em Deus desqualifica seu trabalho como geneticista, Harris passa a fugir do assunto e a dizer coisas que, no fim, não respondem a pergunta inicial. Sinceramente, achei um pouco decepcionante.

Islamismo e evolução
A New Scientist publicou uma entrevista com o ímã Usama Hasan, de Londres, que recebeu ameaças de morte por defender a conciliação entre o Corão e a teoria da evolução. As ameaças o fizeram se afastar do tema, e na entrevista ele diz acreditar que cometeu um erro estratégico: em vez de manifestar abertamente uma posição, Hasan acha que devia apenas ter aberto o debate. O episódio também foi tema de um artigo de Salman Hameed no Guardian. Para o cientista, esse é o tipo de situação que ajuda a consolidar na Europa a imagem de que os muçulmanos são todos um banco de extremistas, o que obviamente não é verdade. Mas os extremistas são os que acabam fazendo mais barulho, e não deixa de ser preocupante ver que os moderados acabam se tornando reféns dos grupos mais violentos.

E, finalizando, eu procurei, procurei, mas acho que a conexão do Papa com a Estação Espacial Internacional foi mesmo adiada, já que a decolagem da Endeavour, que leva um astronauta italiano, ficou para daqui a alguns dias.