Como avisei no Twitter, amanhã começa um seminário nas Faculdades Integradas “Espírita” chamado Ciência e Espiritualidade. Quem vem para dar as palestras do evento é o escritor Robson Pinheiro. Ele deu uma entrevista por e-mail ao Tubo de Ensaio em que fala sobre os temas que abordará na palestra. Aproveitei também para perguntar a ele sobre o caso, narrado aqui no blog, dos pais que não levaram seus filhos ao médico por contarem com a cura pela fé. Confiram a entrevista:
O tema geral do seu seminário é Ciência e Espiritualidade. De que forma é possível ligar o conhecimento científico aos temas abordados nas palestras que serão dadas nos três dias do evento?
O dicionário da Wikipédia define ciência da seguinte maneira: “No seu sentido mais amplo, ciência (do Latim scientia, significando ‘conhecimento’) refere-se a qualquer conhecimento ou prática sistemático. Num sentido mais restrito, ciência refere-se a um sistema de adquirir conhecimento baseado no método científico, assim como ao corpo organizado de conhecimento conseguido através de tal pesquisa.” Sob este aspecto os temas são abordados de maneira a despertar as pessoas para uma pesquisa, estudo e prática de um método classificado por Allan Kardec, o codificador do espiritismo, como método experimental, uma vez que não levamos ao público apenas teorias vagas ou conceitos religiosos, mas a parte científica do espiritismo, o qual se manifesta em três pilares básicos: ciência, filosofia e religião ou espiritualidade.
O espiritismo apresenta, portanto, o método experimental como a maioria das ciências o faz, para abordar questões fora do âmbito dos laboratórios da ciência acadêmica, mas nem por isso menos científico do que as demais ciências. A Psicologia não deixa de ser ciência apenas porque aborda o psiquismo humano sob um aspecto experimental clínico, fora do alcance dos microscópios, tubos de ensaio e outros instrumentos consagrados por outras vertentes da ciência humana.
Dessa forma, o espiritismo, como tem por alvo primário o psiquismo mais profundo, o mundo das causas, utiliza-se tanto da mediunidade, da paranormalidade e outros instrumentos correlatos para fazer uma incisão na alma humana, aprofundando o bisturi das observações numa dimensão em que os instrumentos clássicos não têm acesso. Vemos, dessa forma, o método experimental como o método por excelência das observações científicas da atualidade e que também pode ser (e é) usado como a metodologia de abordagem dos fenômenos paranormais, anímicos e mediúnicos, sempre sob o patrocínio das ideias espíritas segundo a interpretação dada por Kardec em sua codificação.
Em termos gerais, como o espiritismo vê a relação entre ciência e religião? Antagonismo, independência ou cooperação?
O espiritismo para nós, os estudiosos do pensamento dos imortais, é uma ciência experimental, com fundamentos filosóficos e consequências morais e éticas. Dessa forma, o espiritismo busca sempre o aval da ciência em suas observações. De tal forma, o pensamento científico norteia os princípios da codificação realizada por Allan Kardec e ele, ao se pronunciar a respeito da validade do pensamento dos imortais que inspiraram o aparecimento do espiritismo no mundo, nos diz em sua lucidez e extremo bom senso que, se um dia a ciência provasse que o espiritismo estivesse errado em seus postulados, que ficássemos com a ciência.
No entanto, convém aqui uma observação a respeito do assunto “ciência”. É que uma verdade que em uma época foi considerada anticientífica muitas vezes em outra época recebe o aval da ciência. Se considerarmos que as mais modernas descobertas da nossa ciência — por exemplo, considerando apenas na área da Medicina que não é uma ciência exata — em menos de dez anos são abandonadas e consideradas ultrapassadas; ou que algumas verdades, opiniões e critérios que em algum momento são considerados inadequados pela ciência em outro são admitidos como sendo os mais viáveis, corretos e aceitáveis, teremos de rever urgentemente o conceito de “científico”, tão ao gosto de pessoas que não são especializas no assunto. Algo ser científico ou não científico depende, portanto, da época, do local e do contexto em que esta mesma coisa é analisada, levando-se em conta o grau de preconceito, abertura mental ou a visão da filosofia da ciência vigente no meio acadêmico ou naquele em que a situação, coisa ou fenômeno é analisado.
Existe avaliação científica sobre os fenômenos que a doutrina espírita alega serem verdadeiros?
Como disse, o espiritismo parte do pressuposto de que ciência se faz através de inúmeros experimentos, da metodologia experimental, analisada segundo critérios próprios. Para uma observação de fenômenos físicos, químicos, elétricos, magnéticos ou outros da dimensão física, naturalmente se utilizam instrumentos apropriados conforme o grau de materialidade do fenômeno ou do fato a ser estudado, observado e experimentado. Portanto, para um fenômeno da área física, instrumentos físicos, materiais. Como o espiritismo tem por objetivo o estudo dos fenômenos psíquicos, mediúnicos, espiríticos e em alguma medida anímicos ou paranormais, a instrumentalidade utilizada é outra, de ordem também psíquica, mediúnica e paranormal.
Ainda citamos Allan Kardec, no preâmbulo de O que é o espiritismo, livro por ele editado, quando afirma que o espiritismo “é uma ciência que trata da natureza, origem e destino dos espíritos, bem como de suas relações com o mundo corporal”. Dentro dessa perspectiva, Kardec teria fundado a “ciência espírita”, tendo como objeto o ser imortal, o espírito e toda a ordem de fenômenos que a ele dizem respeito.
Recentemente, foram condenados nos Estados Unidos pais que deixaram seus filhos morrer por acreditarem somente na cura pela fé, e não terem recorrido ao médico. O espiritismo considera a possibilidade de cirurgias mediúnicas. É lícito, para o espírita, recorrer a essas cirurgias sem ter esgotado os recursos apresentados pela ciência?
Relembrando as palavras do apostolo Paulo, “tudo me é licito, mas nem tudo convém”. O espiritismo e os espíritos em particular nos ensinam a procurarmos sempre as causas materiais e esgotarmos primeiro os recursos materiais e as explicações da ciência antes de recorrermos a hipóteses e explicações metafísicas, desta forma nos preservando de excessos e misticismos. No entanto, ao considerarmos, no presente caso de nossas observações, a situação de um pais como o nosso querido Brasil, no qual o sistema de saúde deixa muito a desejar e a maioria das pessoas ainda não tem acesso aos serviços pagos e a um atendimento mais humano e digno, temos de convir que o desespero de alguns e a esperança, tanto quanto a desesperança e falta de fé nos recursos humanos, lança muita gente à procura de outros recursos menos ortodoxos e convencionais.
Não sei em relação aos Estados Unidos, mas podemos observar que no Brasil, um pais no qual os fenômenos mediúnicos se multiplicam de uma forma especial, onde temos um numero de médiuns como em nenhum outro país do mundo, é natural que o povo busque aquele recurso a que hoje tem maior acesso. Acredito pessoalmente que no futuro bem próximo, quando tivermos um atendimento na área da saúde mais compatível com as necessidades da população e dando uma condição humana digna para o povo, os médiuns de cura diminuirão, na medida exata em que aumentarmos as ofertas de um serviço de saúde mais adequado, levando-se em conta o ser humano, tratando as pessoas com a dignidade que elas merecem.
A meu ver, a maioria das pessoas que procuram recursos de cura, cirurgias mediúnicas e outras semelhantes são pessoas não espíritas, em sua grande maioria. Em nossos centros espíritas, ensinamos as pessoas a procurarem primeiro e sempre o aconselhamento medico e terapêutico e oferecemos aquilo que denominamos tratamento espiritual como auxiliar, mas de maneira alguma como substituto da orientação medica. Entendemos, contudo, que cada um tem a liberdade de procurar aquilo ou o recurso que mais se adequar ao seu tipo psicológico e à sua realidade própria, respeitando o direito inalienável de cada criatura a decidir por si mesma qual o melhor caminho que deve percorrer ou qual o recurso que deve procurar para seu equilíbrio íntimo ou orgânico.
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