O corpo de Santa Bernadette Soubirous apresenta rigor mortis e começou a ficar preto ao ser exposto ao ar durante uma exumação.| Foto: Dorothée Quennesson/Pixabay
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“Não abandonareis minha alma na habitação dos mortos, nem permitireis que vosso Santo conheça a corrupção”, diz o salmo 15, que os católicos cantam todo ano na Vigília Pascal (no mínimo). Portanto, um sinal da predileção divina estaria no fato de o corpo de um santo não se deteriorar, permanecendo milagrosamente incorrupto, certo? Certo. E o que não falta por aí são santos cujos corpos continuam incorruptos até hoje, certo? Errado, é o que mostra a Viviane Varela – que mantém o excelente site O Catequista e escreveu dois livros bem bacanas, um com um punhado de verdades e outro desmentindo um punhado de mentiras sobre a Igreja Católica, junto com o marido, Alexandre.

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No Catequista, ela publicou o “guia definitivo sobre os corpos de santos incorruptos”, que o site da Sociedade Brasileira de Canonistas republicou. Resumindo bem resumido a ampla pesquisa da Viviane (porque a ideia é que você vá lá ler o texto dela), em praticamente todos os casos de “corpos incorruptos” que costumamos ver por aí, das duas uma: ou existe uma explicação científica bem plausível (“não definitiva, implacável, mas muito plausível”, me disse a Viviane) para um excepcional estado de preservação do corpo, caso da mumificação natural; ou o corpo estava, sim, deteriorado, talvez aguentando mais tempo que o normal devido a certas circunstâncias físico-químicas, mas desfazendo-se rapidamente assim que entrava em contato com o ar na exumação. Ou seja, não cumpriam os requisitos estabelecidos no século 18 pelo cardeal Prospero Lambertini, que viria a ser o papa Bento XIV. E a lista que a Viviane pesquisou tem pesos-pesados da santidade, como o Padre Pio, Santa Rita de Cássia, Santa Clara e Santa Bernadette Soubirous.

A própria Viviane se encarrega de ressaltar: não é que a incorruptibilidade milagrosa seja impossível, mas que nesses casos em específico não se pode dizer que a ciência não tem explicação para a preservação do corpo. Quer dizer que está havendo fraude, engambelação proposital para pegar gente incauta? Antes que os ateus militantes venham nos torrar a paciência, já digo que também não é nada disso; muito provavelmente, trata-se de uma compreensão equivocada, ainda que de boa-fé, do fenômeno da incorruptibilidade. Felizmente, apesar da devoção popular, a Igreja Católica tem esse “ceticismo sadio” de tentar esgotar as explicações naturais antes de dizer que qualquer coisa tem caráter milagroso. Vale para os corpos dos santos tanto quanto para os relatos de curas que chegam ao Vaticano frequentemente.

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Balde de água fria? Só para quem se apega demais a esse tipo de milagre como “prova” da veracidade da Igreja Católica. Os santos citados não deixarão de ser santos, nem serão “menos santos”, só porque seus corpos se deterioraram como os de qualquer outra pessoa. O que fez deles santos foi sua vida exemplar, não o seu post mortem. Claro que um corpo miraculosamente preservado, em um fenômeno sem explicação científica alguma, é um sinal inequívoco da ação divina, mas com os corpos “incorruptos só que não” a coisa funciona mais ou menos como com o Sudário de Turim: se algum dia a ciência demonstrar que a imagem do pano pode ser formada por processos naturais, não será por isso vamos deixar de acreditar na ressurreição de Cristo. Quando São Josemaría Escrivá afirma que “não necessito de milagres; bastam-me os que há na Escritura”, não é que despreze o extraordinário, mas que não podemos basear nossa fé nessa busca por milagres a rodo como se deles dependesse a nossa salvação – afinal, é a nossa fidelidade a Deus no dia a dia da vida ordinária o que mais importa, e isso é algo que os santos levaram à risca.