Antes de mais nada, é preciso deixar muito claro que esse post não significa endosso ou rejeição a nenhum candidato presidencial. Minha opção política é o que menos interessa aqui.
Dito isso, bom, com a entrada de Marina Silva na corrida presidencial, resolveram desenterrar uma polêmica de anos atrás: afinal, a candidata, que é evangélica, é uma criacionista de Terra jovem, daqueles que acreditam que Deus criou tudo 6 mil anos atrás e que a evolução é uma farsa? Três artigos/colunas publicados na Folha de S.Paulo nos últimos dias trataram do assunto.
Primeiro, foi o físico Rogério Cezar de Cerqueira Leite, que domingo passado não hesitou em afirmar que Marina é, sim, criacionista; que ela teria admitido isso no passado e hoje evita o assunto. “Não me sinto confortável em ter como presidente uma pessoa que acredita concretamente que o Universo foi criado em sete dias há apenas 4.000 anos (sic), aproximadamente”, escreveu. Aliás, se eu entendi bem, ele pega pesado com Marina, chegando a insinuar que ela seja uma savant ou portadora de uma “desordem do desenvolvimento neural” (se o tom enfático antiMarina se deve apenas a questões de ordem científica ou se há outros componentes aí eu deixo para o leitor do blog que resolver olhar com cuidado o site do físico).
Na terça-feira, o colunista Hélio Schwartsman, cuja hostilidade a qualquer coisa que tenha a ver com religião é pública e notória, endossou a tese de Cerqueira Leite de que Marina é criacionista de Terra jovem e tentou achar na neurociência uma explicação para os motivos que levam alguém a pensar como pensa (se é que Marina pensa o que Schwartsman pensa que ela pensa…)
Por fim, hoje, o economista Eduardo Giannetti, que faz parte da campanha de Marina como um de seus assessores econômicos, saiu em defesa da candidata também em sua coluna. Giannetti é bem taxativo: “Marina nunca endossou o criacionismo ou defendeu que fosse ensinado nas escolas” (fico aqui pensando que o único impacto que um presidente criacionista poderia ter seria justamente esse, pressionar para que as escolas ensinassem criacionismo nas aulas de Biologia).
Bom, o que a candidata já disse sobre o tema? Achei dois vídeos de participações dela no programa Roda Viva. O primeiro é de setembro de 2009:
E o outro é de outubro de 2013 (a parte que interessa começa no minuto 1’40”):
E um vídeo de uma conversa com editores da revista IstoÉ, em 2010 (o criacionismo entra aos 1’37”):
O que se conclui disso aí? Pelo que entendi, Marina nega ser criacionista de Terra jovem. Ela acredita, sim, que Deus “criou o universo e todas as coisas”; mas há uma diferença entre dizer que “Deus criou todas as coisas”, de uma maneira um tanto figurada, e dizer que “Deus criou todas as coisas exatamente na sua forma presente e não houve mudança nenhuma de lá para cá“. Da mera frase “Deus criou todas as coisas” não se pode concluir nenhuma adesão ao criacionismo — a não ser que haja alguma declaração anterior de Marina (como o entrevistador do primeiro vídeo diz haver, mas não cita publicações nem datas) defendendo enfaticamente o criacionismo; mas parece que nada disso veio à superfície ainda. Não dá para dizer que a polêmica esteja encerrada. Mas até o momento parece estar sendo superdimensionada.
Antes de terminar o post, recomendo muito a leitura dos dois últimos parágrafos do texto de Giannetti. Vá lá, eu acho que a relação entre ciência e fé é mais amistosa que a visão de magistérios não interferentes que ele parece defender, mas é impossível discordar dele quando diz que “a fé cristã não implica o criacionismo, assim como o apreço pela ciência não implica o cientificismo”. Sua reflexão final sobre os limites da ciência também merece muita consideração.
(Atualização às 19h18): vi agora que, uma hora antes do post do Tubo, o Reinaldo Lopes, do blog Darwin e Deus, havia escrito sobre o mesmo tema, inclusive resgatando uma fala de Marina Silva anterior a todas as entrevistas em vídeo que estão neste post, e fazendo uma análise do discurso não muito claro da hoje candidata. Também vale a pena ler!
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