Sérgio Queiroz afirma que muitas vezes o líder religioso não tem como saber que um jovem está abalado pelo discurso que ouve em outros ambientes. (Foto: Adriano Fros/Divulgação/ABC2)| Foto:

A tese do conflito entre ciência e fé atingiu Sérgio Queiroz em cheio dentro de sua própria família. No início do ano passado, ele chegou em casa e encontrou a filha aos prantos. Ela havia acabado de iniciar a faculdade de Medicina, e em uma de suas primeiras aulas ouviu um duro ataque à fé cristã feito por uma socióloga. Ali o pastor batista, também graduado em Engenharia e Direito, percebeu que havia um grande desafio à sua frente. Preparar o jovem para defender a fé cristã em um ambiente dominado pelo cientificismo naturalista não podia ser uma tarefa de tiro curto. Por isso, temas como esse são abordados bem cedo na Escola Internacional Cidade Viva, parte de um projeto que Queiroz administra em João Pessoa (PB). Esse foi o tema de sua palestra na II Conferência Nacional da Associação Brasileira dos Cristãos na Ciência, em novembro do ano passado. Em um dos intervalos, conversei um pouco com ele sobre como os jovens cristãos de hoje e as comunidades nas quais eles estão inseridos precisam lidar com o ataque neoateísta.

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Na sua descrição sobre o que os jovens passam no ambiente acadêmico, a palavra usada foi “sofrimento”. Sabemos que hoje existe aquela coisa do “floquinho de neve”, muitos jovens de hoje parecem incapazes de suportar situações que eram triviais até pouco tempo atrás, mas ao mesmo tempo estamos falando da fé, que é algo central na vida da pessoa. O termo adequado é esse mesmo, “sofrimento”?

Não é exagero. O jovem pode até entrar na universidade com conceitos teológicos bem firmados, às vezes construídos ao longo de anos de vida comunitária de vida na igreja, mas logo de início há um choque na questão conceitual. Tudo o que aquele jovem tinha como verdadeiro e inabalável é questionado pelos professores e pelo próprio ambiente universitário, que tende a ser naturalista, secular e ateísta.

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O sofrimento decorre da incapacidade de lidar com esses novos conceitos, da frustração por não se ter as ferramentas conceituais necessárias para que esse jovem se engaje em um diálogo de alto nível em defesa da fé, usando categorias idênticas àquelas com as quais os opositores atacam o cristianismo. Vem, então, um senso de impotência diante do ataque, e aquilo vai se transformar em sofrimento. Há o questionamento, há a pressão do grupo, que é muito comum na universidade. Muitos acabam ou privatizando a sua fé, colocando-a dentro de um compartimento fechado, inacessível aos colegas; ou, pior ainda, acabam aderindo ao discurso secular da modernidade.

E que ferramentas o líder religioso, pastor, padre, tem para identificar essa situação no adolescente ou no universitário que faz parte da sua comunidade?

Isso é um desafio muito grande, porque não há ferramentas específicas. Pelo que tenho observado, na maioria das vezes essas crises que terminam no desviar do evangelho ou na negação da fé acontecem no silêncio. Quando os outros tomam conhecimento, aquela pessoa já está escrevendo nas mídias sociais coisas que não fazem mais sentido em comparação com o que ela acreditava. Ou, se forem mais ativos, já estarão arregimentando pessoas da própria comunidade com esse novo discurso.

O que fazer, então?

O líder religioso tem de desenvolver a sensibilidade, e ao mesmo tempo fazer um trabalho de prevenção. Ele tem de tocar nesse assunto do suposto conflito entre ciência e fé, e dizer que é o cristianismo é, sim, um sistema completo para a nossa existência. Não apenas para a nossa vida devocional, não apenas com repercussões escatológicas, mas também para o dia de hoje, para os embates do cotidiano nas ciências naturais, nas ciências humanas. Mas isso exige humildade de entender que talvez o padre, o pastor não esteja sendo capaz de preparar as pessoas para o exercício de uma teologia pública. Ele precisa ter o desejo de aprender algo sobre a relação entre fé e ciência, e também no campo das ciências humanas, que hoje eu vejo como nosso grande desafio, pois são elas que movem o pensamento político, sociológico e ético. Essa busca por aprofundamento temático inclui buscar ajudas paralelas, para que o tema venha para as discussões da igreja.

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O jovem precisa sentir que ele tem abertura de falar sobre seus medos, sobre seus novos questionamentos, até sobre a sua falta de fé, sobre a irrelevância da sua fé em certos temas. Essa liberdade de expressar-se na dor e a humildade da igreja em entender-se incapaz de ajudar se não estiver preparada são dois ingredientes para uma pastoral acadêmica em que a fé e a ciência possam se relacionar.

Como lidar com as alegações de incompatibilidade entre a ciência moderna e o texto bíblico, feitas tanto pelo ateísmo materialista quanto pelo fundamentalismo religioso?

A Bíblia é um livro sem erros e falhas. As falhas são da nossa hermenêutica. A Bíblia é infalível, é a palavra de Deus inspirada, e eu creio nisso piamente. Mas há instrumentos para a mediação desse significado eterno da fé. Temos de entender, por exemplo, que a Bíblia não tem a menor intenção de ser um livro de ciências naturais, ou humanas. Ela é um relato do amor de um Deus que cria tudo com perfeição, mas essa obra é afetada em todas as dimensões pelo pecado e Ele está restaurando todas as coisas em Cristo. A compreensão dessa cosmovisão como base deve guiar os líderes das igrejas. Se não forem eles a tratar disso, que seja uma equipe de mestres; precisamos que a igreja tenha mestres treinados e preparados nessa temática, para que tudo que interesse à vida atual possa ser tratado à luz das escrituras, mas com as ferramentas das ciências, para que essa mediação possa acontecer de maneira mais interessante.

Na sua escola, me chamou a atenção que esses conteúdos são apresentados às crianças sem medo nenhum. Como se chegou a esse nível de confiança na criança e no adolescente?

Não quero generalizar, mas quando falamos em “escolas cristãs” no Brasil estamos nos referindo, geralmente, a um cristianismo de viés devocional. Isso não é ruim. A devoção, a experiência, a transcendência, tudo isso é muito importante ter nas escolas, mas não só isso. Temos de desenvolver um pensamento crítico – e, quando eu falo “crítico”, falo de um pensamento capaz de articular discursos sobre as ciências naturais e o cristianismo usando as ferramentas da filosofia, da sociologia, o conhecimento dos novos debates. Isso precisa ser programado na criança. Não que ela vá absorver tudo, mas ela é totalmente capaz de saber que existe, sim, a possibilidade de um discurso científico com pressuposições também teológicas, que não há uma dissociação entre ciência e fé. O grande problema é que às vezes os estudantes assimilam a noção de que fé e ciência são compartimentos estanques, que não se combinam.

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A nossa tarefa na Escola Internacional Cidade Viva é começar a trabalhar o intelecto, não só o coração das crianças. No coração, a devoção; no intelecto, a reflexão a respeito da plausibilidade do cristianismo como sistema completo de vida que tem muito a nos dizer, que tem como nos direcionar tanto na compreensão da nossa vida social, como também, por meio de uma boa ciência, no entendimento dos grandes mistérios da vida, da criação, do futuro, da realidade como um todo.

A faculdade confessional é um ambiente mais “controlado” que as instituições não confessionais, públicas ou particulares?

O ambiente não confessional é um maravilhoso laboratório para testar a nossa capacidade crítica, inclusive a capacidade de defender a nossa fé, animando-a e fundamentando-a também na boa ciência. O problema não é o lugar, é a dissociação. Você pode estar em uma faculdade confessional que é simplesmente devocional, que não trabalha conceitos críticos, não está aberta a diálogos mais profundos. Como será que a mente do jovem cristão e do professor cristão nesses lugares vai entender que o cristianismo é plausível como sistema de compreensão da realidade? Eu não temo o ambiente não confessional; o que eu temo é o despreparo de quem está seja no ambiente não confessional, seja no ambiente confessional, para um pensamento crítico.

Bem lembrada a menção aos professores. Eles ficam, os jovens vão, como ouvi na sua palestra.

Exatamente! Às vezes temos professores doutores em certas áreas, que são cristãos devotos, mas que praticam um cristianismo privatizado, porque não conseguem fazer sua área de conhecimento conversar com os pressupostos fundantes da fé. Isso é uma deficiência grave que precisamos corrigir.

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