Em novembro passado, durante a conferência nacional da Associação Brasileira de Cristãos na Ciência, o Guilherme de Carvalho veio até mim e disse que deveria haver uma "ABC2 católica", para que as duas entidades pudessem fazer parcerias e ter iniciativas conjuntas. Eu respondi que os cristãos já estávamos divididos em tanta coisa, que não precisávamos de mais separação. Mas, ao mesmo tempo, sei bem que o foco da ABC2 é realmente o público evangélico (tanto que, se não me engano, os únicos católicos no evento do Recife éramos eu e o Ignacio Silva, um dos palestrantes). Por isso, foi com muita alegria que soube, durante a Assembleia Geral da CNBB, ocorrida no início de maio, da criação da Sociedade Brasileira de Cientistas Católicos (SBCC), que vai ajudar a fomentar o diálogo entre ciência e religião.
O presidente da SBCC é Everthon de Souza Oliveira, professor do Departamento de Engenharia Elétrica do Cefet-MG. Ele me explicou que a entidade já estava meio que estruturada desde outubro do ano passado, quando ocorreu o primeiro Congresso Científico de Humanismo Solidário na Ciência, por iniciativa do Ministério Universidades Renovadas (MUR), da Renovação Carismática – Oliveira participa do MUR desde seus tempos de estudante de graduação, na Universidade Federal de São João Del Rei. "O diálogo entre fé e razão sempre foi uma constante nas nossas atividades; ao mesmo tempo, pude testemunhar o preconceito religioso, a ideologia materialista e a carência de sentido que existem nas nossas universidades", conta Oliveira sobre sua experiência de aluno universitário.
A SBCC precisa aproveitar as boas experiências brasileiras, como da ABC2, e de institutos e sociedades em todo o mundo que exploram o diálogo entre ciência e fé
A nova entidade nasce em parceria com o episcopado brasileiro. A CNBB tem uma Comissão Episcopal de Educação e Cultura e um Setor Universidades, que já tinham endossado a ideia do congresso de 2018. O presidente da comissão, dom João Justino de Medeiros Silva, arcebispo de Montes Claros (MG), chefiará um Comitê Teológico-Pastoral que tem o objetivo de "garantir a fidelidade das ações da SBCC ao Magistério da Igreja e auxiliar no pastoreio espiritual dos pesquisadores", segundo Oliveira. Ou seja, a condução do dia a dia da entidade e as iniciativas estabelecidas serão de competência dos cientistas leigos à frente da SBCC, sem interferências ou protagonismo episcopal em algo que cabe ao laicato.
Que iniciativas serão essas, ainda não está muito definido. Certo é que haverá um segundo Congresso de Humanismo Solidário na Ciência ano que vem, em Salvador. Da troca de mensagens com Oliveira, percebi que a SBCC sabe o que ela pretende. O presidente da entidade falou em "auxiliar espiritualmente os pesquisadores católicos e engajá-los de modo coordenado em trabalhos que promovam o diálogo entre fé e razão, testemunhando a harmonia entre o pensamento cristão e o pensamento científico"; em "contribuir com a missão da Igreja, seja interpretando os significados das descobertas científicas para a fé cristã, seja propagando, à luz da Doutrina Social da Igreja, a responsabilidade moral e social das ciências"; e em "incentivar práticas de pesquisa, ensino e extensão que considerem o valor da dignidade humana e o bem comum". Só não sabe ainda como vai conseguir tudo isso, o que é natural para uma entidade recém-criada. Mas também me parece que a SBCC está olhando para alguns bons exemplos, como a própria ABC2 e as academias pontifícias de Ciência e Para a Vida. "Queremos dialogar com essas instituições para compreender melhor nossa própria identidade, formalizar algumas parcerias e propor a realização de atividades conjuntas", diz Oliveira.
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Eu gostaria de ver a SBCC caminhando na trilha que a ABC2 abriu no Brasil. Temos de aproveitar que há gente boa disposta a financiar programas na América Latina – a região é prioridade da John Templeton Foundation – e organizar mais eventos, estruturar uma presença forte em mídias sociais, produzindo podcasts e séries em vídeo, traduzindo livros de bons autores católicos. A ABC2, por exemplo, tem parcerias com editoras fortes no mundo evangélico (inclusive lançou uma coleção própria pela Ultimato) e com gigantes do naipe da Thomas Nelson Brasil. Não vejo motivo para a SBCC não fazer o mesmo com grandes editoras católicas e traduzir o trabalho de gente como Mariano Artigas, Stephen Barr, Stacy Trasancos, Stanley Jaki, Dominique Lambert ou Ken Miller, além de publicar autores católicos brasileiros que escrevam sobre ciência e fé. Que a entidade estabeleça contato com os institutos de ciência e fé das universidades de Cambridge e Oxford, com a Society of Catholic Scientists americana, com a BioLogos, a DeCyR, a Sociedade Internacional para Ciência e Religião, com outras entidades de ciência e fé, mande gente para seus eventos e cursos e convide os especialistas de lá para virem aqui. Outras entidades, institutos e sociedades que vieram antes aplainaram o caminho e mostraram o que funciona; se a SBCC aproveitar essa experiência, adaptando-a à sua realidade e dando seu toque pessoal, tem tudo para ser um ator relevante no debate sobre ciência e fé no Brasil.
Atualização: como ser membro da SBCC? Após a publicação do post, já apareceram muitos interessados nas mídias sociais perguntando como se tornar membro da entidade. Oliveira disse que a SBCC está trabalhando em um sistema formal para membros, e que deve ser lançado no fim de julho. Enquanto isso, interessados podem escrever para sociedade@humanismonaciencia.com.br e manifestar sua intenção de entrar para a SBCC.
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