Conheci Stacy Trasancos em 2016, quando ela havia sido selecionada em um projeto que pretendia implantar disciplinas sobre ciência e fé na formação de futuros padres. Desde então, conversamos ocasionalmente, e hoje ela está envolvida, ao lado do marido, José, em uma briga extremamente necessária contra o uso de material eticamente ilícito na pesquisa biomédica. No mesmo ano em que conheci Stacy, ela publicou um livro que chamou minha atenção de imediato: Particles of faith – A Catholic guide to navigating science. Finalmente tirei o livro da minha lista de “tenho, mas ainda não li”, e digo que todo católico com um interesse mínimo que seja sobre questões de ciência e religião precisa lê-lo.
Stacy cresceu em uma área rural do Texas, ouvindo da mãe que Deus havia criado tudo o que há. Mas, em algum momento da adolescência, deixou a fé de lado; não se tornou ateia, simplesmente era uma “não religiosa”, e assim ficou na faculdade, como pesquisadora em uma universidade, e durante seus primeiros anos na indústria química. Mas Deus estava esperando por ela, e ela voltou. Ao doutorado em Química, acrescentou um mestrado em Teologia. Como alguém que passou da fase da ciência como forma de entender os mecanismos do mundo para a fase da ciência como forma de entender como Deus trabalha, Stacy está qualificada como poucos para ajudar os católicos – e todos os demais cristãos, por que não? – a enxergar a ciência sob a luz da fé.
E um dos principais recados que ela dá ao leitor é que não há nada a temer. Se nós cremos que o Deus que criou o universo é o mesmo Deus que se revelou a nós pela Escritura e por meio do Seu Filho, não há como o estudo desse universo desmentir essa revelação. Se ficamos preocupados com a possibilidade de alguma teoria científica abalar nossa fé ou demonstrar que algo nela é falso, já estamos, na maioria das vezes de forma até inconsciente, fazendo o jogo dos cientificistas ou dos antirreligiosos. “A fé e a ciência são duas manifestações da mesma realidade. Se elas parecem chegar a conclusões conflitantes, é porque nosso conhecimento não está completo”, Stacy afirma (p. 46).
Antes de entrar nos temas específicos, ela diz o que não devemos fazer – “não tente ficar buscando insights sobre como a ciência comprova algum aspecto da fé, porque esse não é o papel da ciência. (...) Não estamos tentando encaixar a fé na ciência ou vice-versa, nem estamos apenas tentando restaurar uma unidade. O diálogo, no fim das contas, serve para elevar a compreensão humana como as asas levantam uma águia”. O caminho certo pede três passos: primeiro, conhecer o que a Igreja ensina, incluindo a “hierarquia de verdades” em que cada afirmação se encaixa, desde a mera opinião teológica até o dogma infalivelmente proclamado. Segundo, saber o que a ciência diz – mas procurando nos lugares certos, onde você pode encontrar as explicações que busca sem a “contaminação” de interpretações ou conclusões nada científicas: papers em revistas acadêmicas, livros didáticos, mesmo revistas de divulgação científica que estejam concentradas apenas na ciência. E, terceiro, entender o “sistema de vontades”, onde as afirmações da fé e da ciência se encontram, e onde Deus e nós, agentes livres, interferimos no mundo material. É um trabalho que exige humildade intelectual, muita paciência e disposição para dizer “ainda estou estudando isso”.
Essa, para mim, é a parte mais importante do livro, mais que os capítulos seguintes – embora eu entenda que muita gente estará mais interessada nessas partes finais, porque é onde Stacy aplica esses princípios a assuntos concretos. O Big Bang prova que Deus existe? O mundo atômico é o mundo real? A mecânica quântica explica o livre arbítrio? Nós evoluímos dos átomos? O criacionismo e o Design Inteligente estão corretos? Um cristão pode aceitar a teoria da evolução? Quando começa uma vida humana? – cada pergunta dessas é o título de um capítulo. O bom do livro é que Stacy não se contenta em oferecer as respostas “simples” a essas questões; enquanto lemos sobre o padre Lemaître ou sobre Adão e Eva, aprendemos sobre indução e dedução, ordem e simetria no universo, a diferença entre um relato real e um relato literal.
Particles of faith não é apenas um livro para “tranquilizar” os católicos a respeito das últimas teorias científicas, ou para mostrar que uma pessoa de fé pode “tolerar” ou “acomodar” a ciência – a ideia de “acomodação”, para mim, evoca imagens de turistas fazendo as malas na hora de voltar para casa e tentando todo tipo de truque para fazer tudo caber dentro da bagagem, ainda que seja impossível. É um livro que nos ajuda a apreciar a ciência, enxergando-a com os olhos certos, os olhos da fé. E que nos encoraja a abraçar esse mundo, porque “a ciência pode ser o meio exato pelo qual nos engajamos com o mundo e fazemos brilhar nossa fé para iluminar o caminho em direção à verdade” (p. 42).
Leia o livro, veja os vídeos
Falando de ciência e catolicismo... O Benedictine College, nos Estados Unidos, ficou famoso pelo discurso de formatura do kicker do Kansas City Chiefs, Harrison Butker, que comentei na minha outra coluna aqui na Gazeta. Pois vasculhando o site deles descobri uma série de vídeos sobre ciência e fé muito boa. O primeiro episódio trata de criação e evolução; o segundo, das narrativas da criação; o terceiro, do significado da revelação; o quarto, do ensinamento papal sobre fé e razão; o quinto, da “ecologia integral”; e o sexto, de como lidar com as controvérsias sobre ciência e fé.
Conferência nacional da ABC2 está com inscrições abertas
Na quarta-feira, 5 de junho, foram abertas as inscrições para a quarta conferência nacional da Associação Brasileira dos Cristãos na Ciência – a participação não é restrita a membros da ABC2, mas eles têm um preço especial. A edição deste ano ocorre entre 14 e 17 de novembro, em Belo Horizonte (MG). O ponto positivo é poder aproveitar o feriadão; o problema é achar passagens baratas para essa época.
As conferências da ABC2 sempre foram marcadas pela excelente seleção de palestrantes: já tivemos, além do pessoal da própria ABC2, como Guilherme de Carvalho, Marcelo Cabral e Gustavo Assi, a participação de Andrew Briggs, Jennifer Wiseman, Peter Harrison, John Walton, Ignacio Silva, Ted Davis e Alister McGrath. Para a edição deste ano ainda não está confirmado nenhum palestrante estrangeiro, mas a programação não está fechada.
Umas pouquíssimas palavras atrasadas sobre Adauto Lourenço
Esqueci de mencionar na coluna anterior a morte, ocorrida em 18 de abril, do cientista Adauto Lourenço, um dos principais – se não o principal – expoentes do criacionismo no Brasil. Nunca cheguei a conversar com ele; ainda preciso tomar coragem para assistir às dez horas do debate de que ele participou no Inteligência Ltda. (não porque eu tenha medo do conteúdo, mas porque, bom, são dez horas de vídeo).
Aqui na Gazeta, Lourenço foi homenageado por Thiago Vieira e Jean Regina, da coluna Crônicas de um Estado Laico, e por Franklin Ferreira. Os leitores do Tubo de Ensaio sabem que estou muito longe de endossar qualquer tipo de criacionismo, mas também sabem que, para mim, a posição de alguém sobre criacionismo, evolução ou Design Inteligente não vai determinar nem a salvação nem a condenação eterna de ninguém. Então, independentemente de estar errado ou não sobre isso, que Deus veja e recompense o bem que ele fez.
Inteligência americana pode ter colaborado com governo brasileiro em casos de censura no Brasil
Lula encontra brecha na catástrofe gaúcha e mira nas eleições de 2026
Barroso adota “política do pensamento” e reclama de liberdade de expressão na internet
Paulo Pimenta: O Salvador Apolítico das Enchentes no RS