Em julho, apresentei durante um congresso na Universidade de Birmingham, na Inglaterra, os resultados de uma sondagem on-line feita com seminaristas de todo o Brasil, com foco especial na teoria da evolução, dentro de um painel sobre evolução na América Latina. Entre várias questões, eu perguntava se eles consideravam as ideias de Darwin compatíveis ou contrárias à doutrina católica. Para os que diziam que a evolução era “mais contrária que compatível” ou “totalmente contrária à doutrina”, eu ainda pedia que apresentassem, se quisessem, as suas objeções, e, durante minha apresentação, mostrei os argumentos que considerei mais elaborados. Um dos seminaristas (a pesquisa é anônima) havia escrito que “A teoria da evolução parece incompatível com a própria lei natural, a qual a Sã Doutrina confirma. É uma incompatibilidade metafísica. ‘Do menos não pode vir o mais’, ‘o efeito não pode ser maior do que a causa’ etc. Para ser sustentada, a teoria da evolução deve postular uma Causa das causas que, estando em Ato, possa atualizar efeitos maiores do que as causas intermediárias”. Naquele momento, Ignacio Silva, da Universidade Austral, que estava coordenando aquele painel, afirmou “isso é tomismo ruim” (e de tomismo ele entende).
Caminhando para o coquetel de encerramento do evento, perguntei a Silva o que ele queria dizer com “tomismo ruim”. E ele simplesmente afirmou “Quando Dante Alighieri usa uma pena para escrever A Divina Comédia, a pena também é causa, e mesmo assim produz um efeito muito maior”, e isso bastou para entender o que ele queria dizer. Pois é justamente a mesma ideia que encontro em um texto recente do padre dominicano Nicanor Austriaco – um bom tomista, me diz Ignacio Silva –, que é professor de Biologia e de Teologia em uma faculdade norte-americana. Ao usar o exemplo do autor e da caneta, Austriaco mostra que o autor é causa principal do texto, e a caneta é causa instrumental. Mas ambos são causas, e o efeito não se produz sem ambas, que atuam em conjunto e imprimem suas características no resultado final.
Pois com a evolução é a mesma coisa. Deus é a causa primeira de tudo o que existe, e os mecanismos da evolução são a causa instrumental para que a vida na Terra tenha a variedade que tem. Mas simplesmente afirmar que “Deus atua por meio da evolução” ainda não é uma definição muito precisa. Deus teria dado o impulso inicial, criando a primeira forma de vida? Deus teria “guiado” o processo evolutivo? Deus estaria por trás das mutações necessárias para que o resultado final fosse o que vemos hoje? Ou teria Deus criado um universo capaz de “se fazer” sozinho? Talvez a resposta seja bem mais simples e estejamos complicando as coisas desnecessariamente. Lembremos de como William Carroll, em entrevista ao blog, definiu o modo como Deus é “causa” de tudo: “Deus é a causa do universo de uma maneira radicalmente diferente da forma como as criaturas são causas (...) Estamos falando de uma relação de dependência: o universo depende de um criador para existir”.
É assim, portanto, que efetivamente o “mais” pode vir do “menos”, que o efeito pode ser maior que a causa – não a causa primeira, obviamente, mas as causas instrumentais. Fazendo justiça ao seminarista, ele admite a possibilidade de “efeitos maiores do que as causas intermediárias”, dependentes de uma “Causa das causas”, mas me parece, pelo modo como a afirmação foi feita, que isso exigiria um tipo de ação divina mais direta, o que é bem complicado. Além disso, há uma outra questão em jogo. Por mais que o cientista cristão, o filósofo e o teólogo estejam certos da existência de uma “Causa das causas” que usa os processos evolutivos para criar, a teoria da evolução em si não tem como “postular” essa causa primeira. Ela só pode descrever os processos naturais, porque isso é ciência. Se colocasse Deus no meio (ou no começo, ou no fim), já não estaria fazendo ciência, mas metafísica – assim como os ateus militantes que usam a evolução como “prova” da inexistência de Deus. Fazer disso uma condição para a teoria da evolução “ser sustentada” é compreender equivocadamente os limites da ciência.