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Poder encontrar as tartarugas-gigantes foi um dos pontos altos dos passeios, conta Heslley Machado Silva. (Foto: Arquivo pessoal)
Poder encontrar as tartarugas-gigantes foi um dos pontos altos dos passeios, conta Heslley Machado Silva. (Foto: Arquivo pessoal)| Foto:

O blog estava devendo um relato sobre o workshop de ciência e religião realizado ano passado em Galápagos, evento que foi amplamente divulgado aqui. Pois bem, o Heslley Machado Silva, biólogo e professor, foi um dos participantes e nos mandou esse relato, que só é publicado agora por pura lerdeza do blogueiro.

Heslley Machado Silva e tatarugas-gigantes em Galápagos

Poder encontrar as tartarugas-gigantes foi um dos pontos altos dos passeios, conta Heslley Machado Silva. (Foto: Arquivo pessoal)

Uma semana em Galápagos: uma oportunidade única

Heslley Machado Silva

O convite para mais um envio de texto para esse blog foi uma grande satisfação, por tentar contribuir para a temática tão pertinente que aqui é tratada, mas também uma oportunidade para contar sobre minha experiência tão rica nas Ilhas Galápagos, no workshop “A Origem e o Conceito da Vida”. Esse evento foi promovido pelo Centro para Ciência e Religião Ian Ramsey (IRC) da Universidade de Oxford, tendo à frente da proposta o dr. Ignacio Silva, e o Instituto Galápagos para as Artes e Ciências (Gaias), com o suporte financeiro da fundação norte-americana John Templeton.

É importante ressaltar que, a despeito do que já foi dito sobre essa fundação por Richard Dawkins – eminente biólogo evolucionista por quem, como também biólogo, nutro profundo respeito pelas suas obras no campo da biologia, mas cuja posição sobre a relação entre ciência e religião vejo com ressalvas –, nem tudo que é divulgado sobre essa fundação é verdadeiro. Posso afirmar que quando Dawkins, tão popular no Brasil, diz que a Fundação John Templeton apoia somente trabalhos de apoio à religião, como as abordagens criacionistas e do Design Inteligente, ele está errado. Não sou ligado a nenhuma religião, não sou uma pessoa religiosa, sou evolucionista convicto, tenho participado de eventos relacionados a essa fundação nos últimos anos, e pretendo ter um projeto financiado pela mesma nos próximos anos. Posso afirmar que não há cunho religioso; eles apenas propõem uma visão de harmonia e possível colaboração entre os dois campos. Portanto, se qualquer pesquisador brasileiro ou de qualquer outro país latino-americano tiver interesse em pesquisas que envolvam a interface entre ciência e religião, e que não tenha uma visão dogmática em relação a qualquer um dos dois campos, pode e deve submeter seus projetos ao financiamento dessa fundação, pois eles têm demonstrado muito interesse em dar suporte na América Latina e, em especial, no Brasil.

O processo para o workshop começou com uma seleção na qual era necessário ser pesquisador latino-americano; foram selecionados 28 candidatos. Foi solicitada uma proposta de artigo que envolvesse a questão da origem da vida ou a possibilidade de vida extraterrestre e suas implicações para a ciência, a filosofia e a teologia, entre outros. Novamente destacando o caráter laico e científico da proposta, em momento algum foi solicitado na proposta algum viés religioso, com defesa de alguma posição ligada a esse campo. Tanto o grupo britânico que promoveu o evento quanto a fundação fomentadora indicam que buscam o respeito mútuo entre os campos – e, como biólogo evolucionista, me alio a esse tipo de visão. Só para exemplificar e finalizar essa minha consideração, o Ian Ramsey Center, em seu projeto como um todo, está oferecendo bolsas para desenvolvimento de pesquisas durante seis meses em universidades europeias e americanas. Mas as propostas serão excluídas se tratarem de criacionismo ou Design Inteligente – ou seja, de fato Dawkins está enganado.

Heslley Machado Silva e Ignacio Silva

Heslley e o dr. Ignacio Silva, da Universidade de Oxford, um dos coordenadores do projeto sobre ciência e religião na América Latina (Foto: Arquivo pessoal)

Como biólogo evolucionista, seria desnecessário ressaltar minha vibração com a seleção de meu trabalho e o suporte financeiro para estar nas Ilhas Galápagos, pelo simbolismo e relevância que o local tem para a ciência e, em especial, para a biologia. Em 2009, nas comemorações relativas ao aniversário de nascimento de Darwin e da publicação de A Origem das Espécies, tive um trabalho selecionado para apresentação oral em um evento em Galápagos, mas, por uma série de percalços, não pude ir; agora, minha vez havia chegado. Finalmente iria conhecer o lugar que tanto influenciou minha carreira e minha disciplina, que já gerou tanta discussão nas minhas aulas de evolução. O tempo todo eu refletia que a minha presença nesse tipo de proposta era a certeza de que é possível o diálogo e o respeito mútuo entre a ciência e a religião. Algo que já havia percebido nos papos com o blogueiro, quando nos conhecemos em Oxford, em um evento  proposto justamente pelo mesmo grupo e financiado pela mesma fundação.

Algo que é importante destacar no evento foi a possibilidade de trocar ideias e de fazer contatos e projetos futuros com outros pesquisadores latino-americanos. Nós, brasileiros, temos pouco intercâmbio com outros pesquisadores de outros países dessa parte do mundo. Tenho pouca informação sobre a pesquisa em outros países dessa região e esse foi um momento ímpar, pois em uma semana participando das mesmas atividades, sejam acadêmicas e ou até recreativas, criam-se novas oportunidades de projetos, pesquisas, artigos e novos encontros frutíferos. Considero esse contato raro entre nós, pesquisadores brasileiros, com seus pares latino-americanos. Essa questão foi ressaltada em uma das apresentações do workshop, feita pelo dr. Andrew Pinsent, que também é padre católico.

As palestras do workshop também merecem destaque. O professor e pesquisador Rafael Vicuña, do Chile, que trabalha com genética molecular e microbiologia, falou brilhantemente sobre a origem da vida, sobre as pesquisas mais recentes relativas ao tema, sempre com um enfoque científico. A dra. Celia Deane-Drumond, teóloga da Universidade de Notre Dame (Estados Unidos), versou sobre o significado teológico da vida, bem como as implicações para a teologia que envolvem a possibilidade da vida extraterrestre. Finalmente fomos agraciados com a apresentação do dr. John Brooke, professor emérito de Ciência e Religião da Universidade de Oxford, que abordou os debates históricos que envolveram a teologia, a filosofia e a história natural com a possibilidade da vida extraterrestre, e também tratou, de forma magnífica, da visão de Darwin sobre a origem e a diversidade da vida. Assistir a essas palestras matutinas no Instituto Gaias para as Artes e Ciências, localizado diante de uma praia cheia de vida selvagem, próximo de trilhas que o próprio Charles Darwin percorreu, teve uma representação simbólica muito excitante para os interessados nas temáticas propostas.

Heslley Machado Silva e John Brooke

O dr. John Brooke se mostou sempre muito solícito e prestativo para ajudar os pesquisadores participantes do workshop. (Foto: Arquivo pessoal)

Durante as tardes, pude participar do grupo de trabalho com temas afins, no qual pude conhecer e interagir com as pesquisas desenvolvidas pelos pares latino-americanos, havendo intervenções e sugestões, com intenção de produzir um artigo científico de alto nível. O ponto alto dessa atividade foram os comentários e indicações propiciadas por Brooke, que discutiu todas as propostas de artigos, através da apresentação de cada um dos pesquisadores latino-americanos e da leitura prévia que o mesmo já havia feito dos textos. Chamou muito minha atenção a disposição em ajudar do professor emérito de Oxford. Mesmo quando estávamos fora do grupo de trabalho, em atividades diversas, nos almoços, passeios e demais encontros, Brooke se revelou uma pessoa extremamente solícita e paciente com todas as perguntas e discussões que constantemente lhe eram instigadas. Vale ressaltar também a sua admirável disposição e vigor em acompanhar os pesquisadores latino-americanos nas trilhas e visitação às ilhas.

Apesar de a proposta do workshop prever uma intensa programação, houve a oportunidade de interagir com a população insular, seja nas cercanias do hotel ou nas refeições nos restaurantes locais. O ponto alto do aspecto turístico do evento – e, de minha parte, também científico – ocorreu quando fomos premiados com um passeio na ilha pela manhã e conhecemos o parque nacional de Galápagos, o local onde Darwin aportou, algumas de suas trilhas e os locais de reprodução das tartarugas-gigantes. À tarde, fomos levados de barco para conhecer a preservada vida selvagem oceânica, com as iguanas, atobás e outros animais singulares das ilhas; finalmente, fizemos um espetacular mergulho no qual os pesquisadores puderam usufruir plenamente dessa oportunidade única de interação com a natureza nesse patrimônio da humanidade. Apenas para ilustrar como essa parte do evento pode ser marcante para alguém que trabalha com zoologia e evolução, como é o meu caso, dois meses depois desse passeio foi descoberta uma nova espécie de tartaruga-gigante em Galápagos e meus alunos do curso de Ciências Biológicas vieram até mim comentar essa notícia. Quantos professores podem discutir essa novidade tendo estado no local onde foi realizada a descoberta, já tendo interagido com esses animais formidáveis? De fato, foi um privilégio em minha carreira.

Ao ter a oportunidade de descrever essa incrível experiência, deixo uma mensagem que julgo importante para os pesquisadores brasileiros e dos demais países latino-americanos que se interessam por ciência e religião. Desde que entrei em contato com esse grupo de Oxford, liderado pelo dr. Ignacio Silva, e com a Fundação John Templeton, em um congresso ocorrido quatro anos atrás no Rio de Janeiro, tive oportunidade de participar de um evento em Oxford, outro evento no Rio de Janeiro, deste workshop em Galápagos, e escrevi um capítulo de um livro sobre ciência e religião, editado pelos mesmos colegas; em nenhum momento me foi indagado se tenho ou não religião, ou se iria fazer a defesa ou o ataque de qualquer vertente científica ou religiosa. Pelo contrário, me senti sempre à vontade como biólogo evolucionista e crítico ferrenho de qualquer intervenção no ensino de Ciências e Biologia que sugira o ensino do criacionismo ou do Design Inteligente. Portanto, para todos aqueles que queiram submeter projetos de pesquisa à Fundação John Templeton ou ao grupo de pesquisa de Oxford, nas diversas oportunidades que são oferecidas, sugiro que vá em frente, que Dawkins está errado na sua visão da fundação, e que, se quiserem trocar mais ideias sobre essa submissão e quaisquer outros assuntos relacionados, estou à disposição pelo e-mail heslley@uniformg.edu.br, para tentar ajudar com a minha limitada experiência.

(Aviso: A Fundação John Templeton e o Centro Ian Ramsey bancaram a viagem e a hospedagem do blogueiro para um workshop em Oxford, em 2013.)

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