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Cutucando onça com vara curta
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Ni Hao,

Ao longo desta semana, vários amigos me enviaram mensagens perguntando se estávamos bem. Por que não estaríamos?

Ora, por conta das manifestações contra os japoneses que estavam acontecendo em Shenzhen e outras cidades da China.

Manifestações? Não estou vendo nada!

Ligo a TV na CCTV News, único canal chinês de notícias em língua inglesa (ainda não estamos com os canais internacionais sintonizados), e fico aguardando alguma informação. Sim, estão falando de uma disputa de ilhas, mas não mostram nenhuma imagem de manifestações.

Dudu chega da escola dizendo que ele e o Luke, seu amiguinho americano, protegeram o dia inteiro o Takato, o amiguinho japonês. Protegeram do que, Dudu? De um amigo chinês que estava tentando bater nele.

Luiz chega em casa à noite e me conta que o pessoal do trabalho ficou recebendo mensagens do Governo no celular. Pedi para nossa amiga chinesa traduzir para vocês poderem ver.

Chris Dumont

Em seguida, Luiz vai direto aos sites brasileiros de notícias para obter mais informações e, finalmente, conseguimos entender o que está acontecendo.

Volto para checar meus e-mails e encontro um do Hera, meu amigo brasileiro que mora e trabalha aqui há anos, dizendo para eu entrar no seu blog. Segue abaixo um resumo do que ele escreveu e que pode ser conferido na íntegra em heranaindiaechina.blogspot.com

Hoje é um dia muito delicado por aqui, 18 de setembro (1931) foi a data em que os japoneses tomaram a Manchúria durante a ocupação na China. Motivo de ódio até hoje, percebo que há uma tentativa de revidar o que os chineses passaram aos japoneses por aqui. Tudo é desculpa para fomentar este ódio, os carros japoneses, os eletrônicos, as exportações, a comida, lojas, etc.
Recentemente tem ocorrido protestos em apoio ao governo chinês mediante a disputa de uma ilha próxima de Taiwan. Não vou entrar no mérito porque ainda não tenho maiores detalhes, mas parece que a disputa vem de muito antes, porem da década de 50 até hoje, ela foi se postergando por não haver grande interesse de nenhuma das partes. No entanto, recentemente dizem que descobriram recursos naturais e aí a historia mudou: os dois países resolveram tomar posse deste território inabitado e aí chegamos a realidade que vivenciei hoje.
Grupos de apoio ao governo estão fazendo manifestações exaltando o governo e a atitude para dar suporte a ocupação desta ilha, porém de maneira burra e estupida, depredando carros japoneses, atacando lojas e pessoas que sejam desta nacionalidade. O governo chinês já pediu para que as pessoas não participem destas passeatas, que escondam pessoas de má fé que querem apenas criar desordem e confusão.
Ontem passei próximo a uma grande rede de supermercados japonesa e percebi que havia algo de errado no ar. Pouca gente e um clima de feriado, meio vazio. Hoje, sem me dar conta, pensei em jantar em um sushi bar, mas minha esposa disse que era uma piada de mal gosto devido a situação politica atual combinada com a data. Fomos então próximo a este supermercado e constatamos que havia pelo menos 50 policiais protegendo o local com dois ônibus, uma tropa de choque e todos os estabelecimentos estavam fechados e alguns ainda com cartazes cobrindo o nome do estabelecimento.
O clima tenso pode ser notado nas ruas pelas pessoas que ficam falando em voz alta palavras contra o Japão e agindo de maneira estupida. Não faltam carros de marcas japoneses com adesivos dizendo: ” Meu carro é japonês, porém eu sou chinês. Não destrua minha propriedade”.
Fabricas das maiores companhias japonesas não funcionaram hoje e pagaram os funcionários como se tivessem trabalhado para evitar qualquer desordem ou quebra-quebra. Quem tem a perder são apenas os chineses. Ao forçar estes estabelecimentos a não abrir, estão apenas estimulando as pessoas a ficarem sem empregos e deixar de gerar renda.
Também foi mencionado o risco de transformar isso em uma segunda Revolução Cultural, ou seja, o povo fazendo justiça a sua maneira sem critérios e condenando pessoas apenas pelo julgamento das massas.

Tudo isso me impressionou muito! Primeiro, pela minha alienação. Culpa minha que estou mais preocupada com os meus problemas dos que os do mundo? Culpa por não falarmos mandarim e, por isso, não termos acesso a sites e jornais chineses? E isso adiantaria alguma coisa? Culpa por morarmos em um bairro repleto de expatriados e mal sairmos do nosso gueto? Culpa dos nossos amigos chineses que não comentam o assunto conosco?

Além da minha suposta alienação, me impressionou também ver lojas do porte da CCAA e supermercados como o Pão de Açúcar fechados. O Hera postou fotos dos estabelecimentos com as portas fechadas. Coloco abaixo fotos das mesmas lojas funcionando normalmente para vocês terem noção do seu tamanho e, portanto, do tamanho da gravidade do que estava acontecendo.

Divulgação

Quem leu um pouco sobre a história recente da China é capaz de entender a razão de tanto ódio dos chineses pelos japoneses. (Na segunda guerra mundial, os japoneses torturam, estupraram, mataram e fizeram atrocidades inimagináveis com eles). Quem não leu, pode assistir a Flores da Guerra ou comprar o espetacular livro Cisne Selvagem. Vale também dar uma olhada nas fotos do museu japonês em Chanchun que postei em maio deste ano.

Por fim, procurando mais informação sobre o acontecimento através da minha Internet livre, me deparei com o site The Atlantic com fotos que mostram a impressionante capacidade de mobilização do povo chinês, assim como o nível de violência dos protestos.

Em uma das fotos é possível ver um manifestante segurando uma imagem de Mao que, para quem não sabe, acreditava que os ocidentais e o capitalismo deveriam ser banidos e expulsos da China. E mais: uma bandeira americana sendo queimada no meio desta confusão toda.

Fiquei pensando: E se essa revolta latente se virar contra nós, expatriados ocidentais? O que pode acontecer?

Sinceramente, não tenho a menor ideia se isto é apenas uma elucubração infundada da minha cabeça desocupada ou pura realidade.

Só sei que o ditado “cutucando onça com vara curta” me vem sempre à mente.
Tenho medo de ser a vara nas mãos de alguém e nem saber.

The Atlantic
The Atlantic
The Atlantic

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