Ni hao
你好
Já que nossa rotina não é mais a mesma, decidimos fazer um réveillon um pouco diferente. Em vez de passar o dia nos preparando para a virada da meia noite, decidimos convidar nossos amigos chineses, e alguns brasileiros mais próximos, para um almoço de fim de ano.
Uma bela forma de agradecê-los por toda ajuda que nos deram ao longo desses 6 meses e de nos divertir, é claro, no último dia do ano. Do nosso ano, porque o ano novo chinês será comemorado a partir de 23 de janeiro de 2012 (este post promete!).
O interessante dessa história toda é entender os códigos culturais que cercam um evento como este.
Para começar a história, um grande amigo e colega de trabalho do Luiz foi ao Brasil, recentemente, e nos trouxe de presente 5 quilos de feijão preto. Não dava para deixar de oferecer uma típica feijoada brasileira em retribuição, certo? Ainda mais que os chineses não têm frescura com comida, ou seja, aquela “porcariada” toda não iria assustá-los.
CÓDIGO CULTURAL 1
Para os chineses, o valor do presente representa o valor do seu afeto. Quanto mais caro for, mais a pessoa gosta de você. Presentear com dinheiro é muito comum por aqui.
Enfim, nosso amigo ia nos trazer 10 quilos de feijão, para que tivéssemos certeza de que ele realmente gostava muito de nós, mas foi impedido pelos brasileiros que viram um certo exagero no presente. Além do que ele, certamente, iria pagar excesso de bagagem e talvez fosse até barrado na imigração.
Minha professora de chinês, pelo mesmo motivo, chegou ao almoço trazendo uma cesta monstruosa com as mais caras frutas do mercado. Tudo lindamente embalado bem ao gosto dos chineses.
No convite do almoço, em vez de colocar apenas a hora e o local, tentei explicar como o evento se desenrolaria, o que seria servido e que tipo de roupa usar.
CÓDIGO CULTURAL 2
Lendo o convite, reparem no significado implícito de cada palavra:
“Informal” – Para as pessoas não se sentirem obrigadas a se vestir elegantemente para o evento. Ainda assim, tivemos de tudo: vestidos clássicos com meias de seda, camisetas do Brasil e calça jeans.
“Salty black beans”- Na China, feijão preto se come doce. E, para evitar que eles passassem pelo que passei no casamento chinês, achei melhor informar antes.
“Before the lunch…”- Os chineses gostam de almoçar meio-dia e jantar lá pelas 18:00. O pessoal que está trabalhando neste horário, simplesmente, para o que está fazendo, arruma um cantinho, abre a marmita e manda ver. Nenhum constrangimento. É sagrado. Então, melhor avisar que o almoço mesmo só ia sair depois da caipirinha.
E, por fim, a foto da feijoada para eles já irem se acostumando com a carinha.
Mas o que realmente aconteceu?
Um dos convidados achou que a feijoada seria no domingo e não no sábado e só chegou às 13: 40h. E eu que, para não estragar o apetite das pessoas servi como aperitivo apenas amendoins, castanhas e passas, não sabia mais o que fazer com aquelas caras de fome na minha frente e suas mãos cheias de sal.
A salvação foram as frutas da caipirinha. Como eles me explicaram que o aperitivo na China normalmente é chá com frutas, apelei para os morangos e tangerinas a seco mesmo; nada de cachaça. Caipirinha, só para os brasileiros.
Assim que nosso último convidado chegou, coloquei as comidas em cima do balcão da cozinha com umas plaquinhas (que a Mariana fez) descrevendo o que eram, para evitar que a aparência nada simpática das carnes, do feijão e da farofa gerasse preconceito na galera.
Fiz o primeiro prato, para que eles entendessem como funcionava o esquema, e fiquei espiando como num BBB.
Minha professora olhou tudo aquilo, me chamou e perguntou: quantos pratos, além desses, você preparou?
Como assim?
CÓDIGO CULTURAL 3
Na China, assim como o presente que precisa ser grande e caro para representar o quão você gosta de alguém, as refeições oferecidas em sua casa devem ter um número considerável de pratos: peixe, frango, carne, vegetais, macarrão, arroz e por aí vai. Se forem 15 convidados como no nosso caso, o almoço teria que ter uns 15 pratos diferentes.
Este é o motivo pelo qual os chineses preferem comer fora a abrir a casa para os amigos. Ou seja, minha professora não estava sendo deseducada, mas apenas esperando pelo ritual chinês.
Com a maior boa vontade, todo mundo fez o dever de casa direitinho e colocou no prato um pouco de arroz, o feijão por cima, as carnes, a couve, a laranja e um molho de feijão com pimenta que resolvi fazer de última hora.
Os chineses amam pimenta!
Uma das primeiras coisas que tivemos que aprender quando chegamos aqui foi pedir “bù la dá” – sem pimenta.
O repeteco ficou restrito à couve, à laranja e, logicamente, ao molho de pimenta!
Quanto à arrumação das mesas, tive que dividir os convidados em duas para que todos pudessem comer sentados. Não coloquei kuàizi (pauzinhos) de propósito, mas apenas garfo, faca e colher. Eles só usaram a colher.
Aliás, tenho que reconhecer que eles abriram mão, não só de comer de kuàizi, como de sentar todos juntos e dividir a comida. O conceito de cada um com seu grande prato não existe por aqui. Todos dividem tudo que é servido à mesa e colocam pequenas porções do que é servido em potinhos minúsculos.
As sobremesas fizeram o maior sucesso: brigadeiro e torta de limão.
O desejo do ser humano por açúcar realmente transcende qualquer região ou código cultural.
Depois do almoço, uma galera foi embora, outra ficou batendo papo com direito a cafezinho (em xícara grande e com leite – não dá para acertar todas) e lá pelas 6 horas tudo tinha se acabado.
Em resumo, entre uma gafe ali e outra aqui, todos se empenharam para que o almoço fosse um grande sucesso apesar das grandes diferenças que nos separavam.
Isso sim é globalização.
Na linha de frente, Mariana e as brasileiras Nati e Bibiana (que está passando as férias na China).
Na segunda fila, Owen (americano que morou na Tailândia desde que tinha 3 meses e está há 5 na China), Dudu e Clair (que tem 23 anos e trabalha com o Luiz, apesar de parecer uma amiguinha da Mari).
Na terceira, Marcos, Tina (minha professora), Nando, Hera (nosso grande amigo brasileiro que nos encontrou através deste blog), Fuling (sua esposa que é chinesa por fora, mas muito brasileira por dentro), Terry (melhor amigo do Luiz), Liu e eu.
Na rabeira, a irmã da Tina que eu não sei o nome (isso é normal por aqui) e Luiz.
CÓDIGO CULTURAL 4
Os chineses têm sempre dois nomes: o real e outro ocidental, em inglês, para facilitar a comunicação.
A Clair se chama Jie Ting Liao (廖洁婷) ; o Terry é Feng, Peng Fei 冯 鹏飞 e a Tina Zhaozhihui.
Eles também nos pedem para escolher um nome chinês que, na realidade, é em inglês para facilitar a comunicação. Na minha acupuntura eu era Klisa. Não preciso nem dizer que eu nunca respondia de pronto quando alguém me chamava.
RAPIDINHA
Nossa meia-noite foi isso que vocês estão vendo na foto aí embaixo: eu, Luiz, Nando, Dudu e Owen (Mariana e Marquinhos estavam com os amigos) sozinhos num condomínio deserto, vendo um chinês acender um foguinho de artifício que fez “piiiiiiiiúúúúúú”e que se apagou em menos de 10 segundos.
Para quem estava acostumado a passar o réveillon no Rio, com queima de fogos de quase meia hora, cercado de 2 milhões de pessoas…..
Mas realmente, isso não importa! O que importa é que estávamos muito felizes e achando tudo muuuuuito divertido!
E é isso que eu desejo para vocês em 2012. Um ano como todos os outros, cheio de altos e baixos, mas com grande disposição para rir de si mesmo!
Até a semana que vem.
下周见
xià zhóu jiàn