Feira do Cantão e o caminho das pedras

Ni Hao,

“Jesus estava em terra e dirigiu-se para o barco onde estavam seus apóstolos andando sobre as águas. Pedro perguntou: Se és Tu Mestre, faz-me chegar até Ti. E em seguida saltou do barco e começou a andar sobre as águas em direção a Jesus, mas conforme caminhava ia afundando. Jesus então se adiantou até Pedro, segurou-o pela mão e disse-lhe: Pedro, você precisa aprender o caminho das pedras”.

Usando a bíblia como analogia, esta semana aprendi onde se escondem as pedras que levam até a famosa Feira do Cantão. Para quem nunca ouviu falar, esta é a maior feira de importação e exportação da China e, desde 1957, acontece todos os anos na primavera e no outono.

Empresários do mundo inteiro vão à cidade de Guangzhou no Cantão (Guangdong em chinês) em busca de oportunidades dentro de todos os segmentos de negócios. Um evento, literalmente, grandioso bem ao jeito megalomaníaco chinês (quer elogiar a China, diga que ela é grande – 很大hen dá!).

FOTOS e video

E quem seria o meu “Jesus” a me ensinar o caminho das pedras?

Sung Tien Lo.

Resumo rápido: metade chinês, metade brasileiro (apesar dele mesmo não achar, há quem o considere mais chinês do que brasileiro!), profissional competente, experiente, transparente e ético (para evitar outro “ente”) que tive a oportunidade de conhecer. Sung fala perfeitamente o mandarim e o português, ou seja, quando porventura as pedras se deslocam, ele rapidamente acha a nova localização.

Ele é o atual Secretário Geral do Instituto Aliança Brasil China, Consultor Especialista no Mercado bilateral Brasil China através da empresa MHS Global e professor de Mandarim Corporativo da Facamp.

Sung vem me ajudando a reconstruir a vida profissional e, por isso, a seu convite, fui acompanhá-lo e seu cliente à feira do Cantão.

Seu cliente,por sua vez, é um dos muitos empresários brasileiros ao estilo “self made man” que precisou, desde cedo, abrir mão dos estudos para se dedicar ao trabalho. Hoje, depois de mais de 20 anos de batalha, Lúcio, possui três empresas, entre elas a Apach no ramo de ferramentas para construção.

Isso me fez pensar que um MBA pode ajudar um profissional a crescer, mas quando a pessoa é dedicada, trabalhadora e respeita seus clientes, não é a ausência de um diploma que vai impedi-lo de virar um grande empresário. Essas horas me dá o maior orgulho da capacidade de superação do meu povo.

E o que o Sung oferece a seus clientes mesmo? O mapa com a localização das pedras. Sim, ele não só acompanha os empresários à feira, como também os ensina a fazer o credenciamento, a se relacionar com os expositores, a organizar melhor o tempo, tudo para que, da próxima vez, possam voltar sozinhos.

É verdade que, agindo assim, Sung perde o cliente, mas com certeza ganha muitos outros, além de cumprir sua missão maior de integrar Brasil e China.

Veja abaixo algumas dicas do Sung.

Eu e Paola fomos sozinhas de Shenzhen a Guangzhou para nos encontrar com o Sung e o Lúcio. Sem conhecer o caminho das pedras, obviamente que fomos enfiando os pés na água até lá.

Nós saímos direto da Universidade para a estação de trem em Luohu onde fica o mais famoso mercado de produtos falsificados de Shenzhen. Resolvi dar uma passadinha lá para comprar um par de tênis para andar pelos vários quilômetros da Feira do Cantão. A Paola, marinheira de primeira viagem, ficou ligeiramente deslumbrada com a profusão de produtos baratos e, conclusão, ficamos umas duas horas no shopping comprando bolsas, sandálias, bijuterias e até peruca!

Ao chegar a Guangzhou, depois de uma viagem super confortável num trem muito limpo, porém barulhento (os chineses falam muito alto!) decidimos ir a pé da estação até o hotel, que segundo o site, ficava a apenas um quilômetro.

Acho que nós andamos pelo menos uns três durante os quais tivemos a oportunidade de colocar em prática tudo que aprendemos na aula de “Perguntando o Caminho”. Quer dizer, como sempre, perguntamos, mas na hora de ouvir a resposta, a única coisa que conseguíamos entender eram as mãozinhas apontadas para direita ou esquerda.

Finalmente chegamos ao hotel, jantamos com o Sung e o Lúcio e fomos para o quarto.

Como não conseguia acessar a Internet e nem a TV, resolvi chamar a recepção e pedir ajuda. Gente, na China, chamar a recepção e pedir ajuda é uma tarefa das mais complicadas! Conclusão: não só não consegui falar com ninguém, como ainda programei sem querer o serviço despertador para 05:10 da matina!

No dia seguinte, aproveitei que o Sung estava do meu lado na recepção e resolvi dizer, em mandarim, que meu quarto não tinha janela. Ób-vi-o que a recepcionista não me entendeu, mas, aí, o Sung também perguntou e ela também não entendeu! Yééés!!!! O problema não era comigo, mas sim com a recepcionista. E por quê? Porque a língua que se fala no Cantão não é o mandarim, é sim o cantonês. A recepcionista também tinha dificuldades para entender. Bom, leitores, se eles não se entendem entre si, imaginem nós, pobres ocidentais.

Apesar de ter pago por um quarto com janela e ficado em um sem, tudo que o hotel fez foi me dizer um不好意思(Bù hǎoyìsi) que, ao pé da letra, significa (“não bom significado” ou “desculpe”). Segundo o Sung, este é o jeitinho chinês de resolver as coisas, mas eu teria preferido o meu “bu hao yi si” em dinheiro mesmo.

No dia seguinte, tomamos o café da manhã no restaurante da esquina e testemunhei a maneira pouco gentil como alguns chineses tratam os próprios chineses. A garçonete, ao tirar o pedido para o Sung e a Paola (que é brasileira, descendente de japonês, mas com carinha de chinesa), foi extremamente seca, beirando a grosseria.

Na Feira do Cantão, aliás, os chineses são apenas expositores. Se um deles quiser frequentar como comprador, tem que pagar para entrar, o que não acontece com os estrangeiros.

Enfim, eu e Paola voltamos sozinhas para Shenzhen: pegamos o metrô às 3 da tarde para a estação errada, tivemos que voltar para a feira, fomos para estação certa e só conseguimos chegar em casa às 8 da noite.

Mas esta foi apenas a nossa primeira ida à feira do Cantão. A partir de agora, empresários, estudantes e aventureiros em geral, contem conosco para aprender o caminho das pedras.

E que Deus te abençoe!

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