A Polícia Federal deflagrou a operação Carne Fraca na manhã de sexta (17), que expôs um esquema de corrupção entre empresas e fiscais do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Dentre elas, os maiores frigoríficos do Brasil, dos grupos JBS (Friboi e Seara) e BRF Brasil (Sadia e Perdigão) e empresas ligadas ao setor, como as processadoras de carne. Os agentes públicos faziam vista grossa e emitiam certificados sanitários sem a devida fiscalização, permitindo que carne podre, com salmonela e embutidos com soja no lugar de carne e até papelão (entre muitas outras coisas que com certeza estão sem identificação nesse “blend”) fossem vendidos.
A editoria de Vida Pública da Gazeta do Povo publicou durante o dia notícias que mostram, inclusive, que muitas dessas carnes adulteradas iam para a merenda escolar. Você pode ler todas clicando aqui.
Esse tipo de fraude e manipulação de carnes animais não é exatamente novo para quem acompanha a discussão sobre a industrialização da vida animal. Em “Comer Animais” (editora Rocco), Jonathan Safran Foer faz uma incursão por abatedouros, fazendas, criações intensivas de suínos, aves e bovinos nos EUA e relata situações apavorantes antes, durante e depois da morte do animal. Michael Pollan em “O Dilema do Onívoro” e “Em Defesa da Comida” (editora Intrínseca) narra em detalhes o que há dentro da embalagem de ultraprocessados, também dos EUA. Com a operação Carne Fraca a gente vê que o que já se sabia lá acontece aqui também. Às vezes está mais perto do que parece: aquele macarrão instantâneo que vem com “pedacinhos de frango” tem um gosto e textura estranhos porque são soja saborizada e levam três realçadores de sabor de uma só vez (inosinato, glutamato e guanilato).
O momento parece irresistível para levantar o cartaz com a frase “Eu já sabia”, mas o impacto não é só na exploração e morte dos animais. A cadeia toda está em jogo: os grãos que viram ração (uma ração indigesta para ruminantes), a área devastada para a plantação desses grãos, da commodity e a floresta posta abaixo para a criação extensiva de gado (no Brasil, muito mais comum que o confinado), a disputa territorial com povos nativos (e a morte indiscriminada dos indígenas); a compactação do solo, a contaminação das águas (para onde vai todo o cocô de animais criados intensivamente como porcos e galinhas?), os negócios agrícolas como equipamento, máquinas, ração e tecnologia de campo, que movimentam milhões (bilhões, talvez?); o mercado de sementes, o melhoramento genético de animais e plantas para que produzam mais e mais rápido; o abate em série e o estocamento de carne – é tão necessário assim mantermos tanta carne no congelador? –; o assédio moral e exploração de mão de obra em frigoríficos e abatedouros; o setor brasileiro exportando carne para Europa, Ásia e Oriente Médio e a preocupação com o preço da commodity.
As fraudes para aumento dos lucros é mais que ganância e irresponsabilidade, porque há mais em jogo do que preferências pessoais e o faturamento de empresas. O barateamento da proteína animal passa por todos os processos listados acima e o acesso a uma carne barata é de meados do século 20 para cá, com criação e abatedouro funcionando em escala industrial, a distribuição massiva de carne e de produtos derivados de carne animal (suspeitos mesmo antes de termos uma operação como a Carne Fraca). Para ficar em um exemplo apenas, nuggets.
E este tipo de produto – ruim só por ser ultraprocessado, ainda pior por ser adulterado – sai barato. Produto barato ganha licitação e não é surpresa que um produto com soja no lugar de carne tenha chegado à merenda escolar e às casas com renda mais baixa. É imoral.
Para quem se tornou vegetariano às vezes é difícil entender porque é tão importante para algumas pessoas ter “mistura” à mesa. Porque não ter carne no prato por muitos anos e muitas vezes na semana é restrição econômica e não ética. E hoje comer bife é uma escolha possível. Se a linguiça tem soja e papelão, se a carne estava podre ou com salmonela, isto não é um escândalo só porque é fraude: é ruim porque alimenta pessoas que não vão poder pagar a mais na linguiça premium. Quão mais injusto e cegos podemos ser ao condenar o consumo de carne e esquecer que apesar de a informação circular muito mais atualmente, somos poucos os que têm o privilégio de poder colocar a alimentação e filosofia de vida como prioridade?
(Ao mesmo tempo, nunca foi tão fácil derrubar o argumento de que “carne vegetal” é um paradoxo. No arranjo do prato vegetariano, faz a função da carne o que é preparado como tal e não sua composição química (e a mesma lógica defendo para o “leite vegetal”). Mas isto é papo para outra hora.)
Muitos vegetarianos vão ler esse texto e pensar que uma argumentação especista como a minha invalida o diálogo proposto. Mas se a gente não partir de um ponto em comum (nossa própria espécie, que seja) a conversa sobre o consumo consciente de alimentos fica inviável. Não é hora de ser segregador: vegetarianismo tem que ser intersecção.
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