Quando vi na fan page da Editora Alaúde que um novo livro sobre vegetarianismo já estava no prelo, suspirei e esperei. Gosto muito dos títulos deles (como já falei aqui e aqui) e qual não foi minha surpresa ao ver que Indispensável, da autora croata Dunja Gulin, é, na verdade, um livro de receitas veganas! Em inglês o título é Vegan Pantry, ou “despensa vegana”, o que faz o trocadilho com a palavra “indispensável” ficar no ponto. “Fiquei um pouco surpresa com o título em português, é bem diferente das outras traduções. Mas faz sentido: todo cozinheiro precisa de uma despensa e toda pessoa precisa comer vegetais diariamente para estar saudável. Então é um livro realmente indispensável”, brincou Dunja.
Muito mais fácil do que adaptar preparos é seguir o bê-a-bá de quem passou pelo caminho das pedras. Por isto, Indispensável é ótimo para iniciantes: a introdução – que a autora julga longa, mas é imprescindível em um bom livro de receitas – ensina a cozinhar leguminosas e grãos (desde o tempo médio de preparo a detalhes como se a água deve estar quente ou fria), quais produtos manter na despensa e para quê podem ser usados e também preparos de ingredientes básicos, como seitan caseiro, pão sem glúten, massa de pizza, queijo vegetal com rejuvelac e formas de marinar e preparar tofu, tempeh e seitan. O livro custa R$ 74.
Conversei com Dunja por e-mail, e ela me contou sobre sua infância e adolescência na Costa Adriática, na Croácia. Ela começou a cozinhar ajudando a família e preparando pratos para amigos. Logo na adolescência se interessou por alimentação natural e meteu-se a trabalhar como auxiliar de chefs croatas desta área. Ela é autora de outros três livros de receitas veganas: Doručak (“café da manhã”), The Vegan Baker, Raw Food Kitchen e Fermented Foods for Vitality & Health todos inéditos no Brasil, mas os três últimos podem ser encomendados em algumas livrarias. Em seu site, há vídeos em que a autora ensina receitas – se você entender alguma coisa, faça uma legenda pra todos nós podermos acompanhar, por favor, rs. São várias as influências de Dunja, desde macrobiótica até crudivorismo, e suas receitas são a expressão do comfort food pra mim. Aqui está um trecho do nosso papo:
Dunja, no seu livro você diz que experimentou o vegetarianismo e a macrobiótica ainda na adolescência. O que a fez optar pela cozinha vegana?
Tive sorte de crescer na costa Adriática onde as pessoas cozinham muito e se importam com a qualidade da comida. Vegetais formam grande parte da dieta mediterrânea, então eu sempre comia muita coisa plant-based e nunca gostei de comer muita carne. Meu pai foi vegetarianos por um tempo, então eu comecei a ler muito sobre isso bem cedo em minha vida, e eu gostava de receitas vegetarianas. Aos 15 anos eu assinei uma revista sobre vegetarianismo e a partir daí sempre estava atrás do que era novidade no cenário de comida saudável. Foi assim que entrei na macrobiótica, que é uma filosofia oriental muito interessante. “Vegan” nem era uma palavra naquela época; é uma palavra relativamente nova para uma dieta baseada em plantas. Apesar de eu não seguir uma dieta totalmente vegana*, a maior parte da semana eu preparo comidas veganas em casa e trabalho apenas com comida vegana em retiros de yoga, conferências e cruzeiros.
Ao combinar vegetarianismo, crudivorismo e macrobiótica, qual o retorno do seu público? Você acredita que ainda exista um estigma relacionado à culinária natural?
A resposta é incrível e este livro está sendo traduzido para muitas línguas, então acho que isto responde à sua pergunta! 🙂 Eu acredito que a maior parte das pessoas apreciam minha abordagem mais compreensiva e descontraída para cozinhar e para comer; não estou me limitando a uma dieta em particular, e não julgo as escolhas que as pessoas fazem. Estou feliz de poder ensinar a quem quer que esteja interessado em como preparar um prato vegano realmente saboroso e saudável. Eu aprendi muito com a abordagem macrobiótica, mas desde então eu segui combinando essa filosofia com os métodos de preparação das cozinhas mediterrânea, vegetariana, vegana e crudívora e criei meu próprio estilo de cozinhar – uma abordagem sem dogmas e parece que as pessoas têm gostado disto! Não haverá estigma se você não está pregando e fazendo da dieta uma religião – todas as tradições existentes no mundo combinam comidas cozidas e cruas, plantas e animais. É só uma questão de encontrar uma dieta que funcione para você, seja ela vegana ou não. Mas comer mais refeições plant-based definitivamente ajuda a manter o corpo humano saudável e feliz!
Existe algum segredo para um prato vegano ser saboroso? É o equilíbrio entre os cinco gostos?
Existem pequenos truques que fazem a diferença, e não só para a culinária vegana.Tento ensinar às pessoas os princípios básicos da cozinha em vez de lhes dar apenas as receitas, porque há milhares de receitas em livros e na internet, mas se você aprender como incrementar o sabor com ingredientes básicos, então vocês estará livre de receitas e qualquer coisa que você preparar ficará saborosa. Tento explicar o passo a passo do método de construir o sabor porque acredito que seja importante saber em qual etapa do preparo você coloca temperos, ou se você acrescenta água quente ou gelada ao refogar vegetais ou o que é melhor ser posto no começo e no final do cozimento. Eu também uso alguns realçadores de sabor naturais, como alga kombu, vinagre de umeboshi [uma conserva japonesa de ameixa salgada], molho de soja tamari, etc. É importante aprender estes truques, eles podem transformar um cozinheiro amador em um excelente chef!
Como é seu método de criação e adaptação de receitas?
Em muitos casos eu pego a receita “tradicional” e tento encontrar um jeito de torná-la vegana sem perder o sabor e as texturas originais. Isto é especialmente desafiador em sobremesas, porque muitas delas dependem de leite e ovos. Um bom número de receitas dos meus livros são versões veganas dos meus pratos preferidos preparados pelas minhas avós quando eu era criança. Este é um livro formado principalmente por estas receitas reconfortantes, que nos fazem mais felizes, alimentam nossas almas. Isto também é importante, e não apenas nutrientes. É o amor e a energia que colocamos na comida. Avós são ótimas fazendo isto!
Às vezes eu pego um prato popular que o mundo inteiro ama, como pizza, curry, goulash, cream cheese, bolo de chocolate, etc, e faço uma versão vegana que pode ser mais gostosa que o original. Posso testar a receita mais de dez vezes até estar satisfeita com o resultado, mas às vezes acerto logo de primeira. É um trabalho imprevisível, escrever um livro. Mas eu amo!
Você acredita que ao optar por uma alimentação vegana as pessoas deveriam atentar para escolhas mais saudáveis? Nos dias de hoje, temos tantas opções industriais e eu vejo tanta gente entrando neste estilo de vida e consumindo apenas junk food…
Vegan e saudável definitivamente não são sinônimos. Eu encontro muita gente que come apenas comida vegana, mas faz péssimas escolhas, e também muita gente que não é vegana, mas tem uma dieta saudável. É isto que explico em detalhes na introdução deste livro: além de ver se o ingrediente é vegano, ele também deveria ser integral, sem aditivos químicos e orgânico sempre que possível. Por exemplo, uma sobremesa baseada em margarina e açúcar processado é vegana, mas muito prejudicial à sua saúde. Um molho feito com proteína texturizada de soja no lugar de carne é vegano e altamente proteico, mas de forma alguma é saudável. Aconselho que as pessoas escolham mais ingredientes que venham diretamente da natureza, que cozinhem “do zero” sempre que puderem, que comprem temperos e condimentos de qualidade e que evitem refeições pré-prontas e processadas. Este é um conselho para todo mundo, não apenas para as pessoas que são ou tentam ter uma alimentação livre de derivados animais.
*Para este texto foi considerado o conceito de dieta como a escolha de ingredientes e alimentos de uma pessoa, por isto a expressão “dieta vegana”.