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O autor norte-americano Michael Pollan. Foto: Fran Collin/Divulgação
O autor norte-americano Michael Pollan. Foto: Fran Collin/Divulgação| Foto:

“All we are saying / is give plants a chance”
(Tudo o que estamos dizendo é / deem uma chance às plantas)

O autor norte-americano Michael Pollan

O autor norte-americano Michael Pollan. Foto: Fran Collin/Divulgação

Perdoem-me pela paródia, mas o fato é que não sou só eu quem está dizendo: também a Harvard, a ONU e autor norte-americano Michael Pollan acreditam que é preciso aumentar a percentagem de ingestão de plantas (e aqui não estou dizendo que é preciso cortar produtos de origem animal e sim diminuir o tamanho das porções e a frequência) – basta ler algo dele e perceber que, mesmo sendo onívoro, ele reconhece e incentiva uma dieta plant-based. “A produção de carne contribui com 20% com a mudança climática e se o restante do mundo começar a consumir carne da maneira que americanos e brasileiros fazem, teremos um grande problema”, me disse Pollan, por Skype, uma semana antes de desembarcar no Brasil para a Festa Literária Internacional de Paraty, no Rio de Janeiro. Leia abaixo um trecho da nossa conversa (clique aqui para ler o restante da entrevista):

Você considera uma batalha convencer as pessoas a comerem mais plantas? Algo como “All we are saying is give plants a chance”?

Pollan: [Risos] É sim uma batalha. Veja, nós amamos carne. Carne é especial, foi rara na maior parte da nossa história e é muito nutritiva. E no seu país, carne está em todo lugar. E eu acho que precisamos ajudar os vegetais. Precisamos contar a história deles, parte do que acontece é que os vegetais não foram muito bons por muito tempo, nós fomos descuidados na forma em que os estocamos e enviamos. Quando se vai num mercado de pequenos produtores, onde as verduras são lindas, colhidas naquele dia, quem não gosta de vegetais de repente descobre que gosta sim de vegetais. Então acho que sobre a questão de eles estarem melhores hoje e também a questão de os chefs estarem trabalhando mais com vegetais está ajudando, pelo menos nesse país, a ter uma refeição sem carne. Essa ideia que se tem de que não é uma refeição se não tiver um enorme pedaço de carne no meio do prato… temos que corrigir isso. Mas acho que tem chefs muito bons nisso, em preparar vegetais. Produtores que ficaram muito bons em cultivá-los e fazer chegar a nós rapidamente. É uma área em que temos que trabalhar mais, porque estamos consumindo muita carne. Pela nossa saúde e também pelo nosso planeta. A produção de carne contribui com 20% com a mudança climática e se o restante do mundo começar a consumir carne da maneira que americanos e brasileiros fazem, teremos um grande problema. Então não sou contra comer carne, eu amo carne. Mas sou a favor de colocá-la no lugar que ela pertence: é uma comida especial. Não a coma em todas as refeições. E quando você a tem, você come apreciando e com cerimônia. Sabe, sempre houve muito ritual para comer carne, porque era tão especial. Em muitas culturas, só padres podiam abater o animal e cozinhá-los e decidir quem comia o quê. Era uma grande coisa, comer um animal, você fazia com cuidado. E agora precisamos retornar a esse tempo em que nós percebemos que talvez teremos galinha uma vez por semana e que, quando tivermos, será uma celebração. Temos que fazer a carne ser algo especial. Mas não sou a favor de “desistir da carne”, porque acho que há espaço para a carne em nossa alimentação e há espaço para os animais em nossa agricultura também.

E essas dietas como a de Mark Bittman, Vegan Before 6 [em que o consumo de derivados animais só é “permitido” após as 18h], é uma alternativa para quem não quer “desistir” de comer carne?

Pollan: Sim, acho que o desafio é fazer a carne mais sobre coisas especiais. Ter uma regra que faz você comer carne apenas depois das seis horas da tarde ou não comer carne às segundas-feiras, como na campanha Segunda sem Carne, tudo isso ajuda as pessoas. Eu não sou rígido em relação a isso, mas eu acho que se isso quebra um hábito, então é um bom jeito de fazê-lo. Eu acho que Vegan Before 6 é uma boa ideia, mas depende do que funciona para você. Eu acho que poderia ser apenas uma refeição por dia com carne para pessoas que comem carne em três refeições diárias. Outro jeito de fazer é levar todo mundo para visitar lugares como uma fazenda de criação industrial. E isso diminuiria a quantidade que você come carne também, porque é tão horrível a forma com que eles tratam os animais, é tão brutal a forma como os matam. Parte do que me fez reduzir o consumo de carne foi ter visitado esses lugares, saber como os animais vivem e a partir do momento que você aprende isso você vê onde há gado sendo criado de forma correta, humana, sustentável, e você vê que essa carne é cara e difícil de encontrar. Essa é a minha visão: sem carne de confinamento. Isso significa que tenho que procurar muito e me sinto bem comendo isso e não preciso comer muito. São diferentes abordagens.

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HARVARD HEPApr2013

Health Eating Plant, uma interpretação mais atual da pirâmide alimentar, desenvolvida pela School of Public Health, da Harvard.

 

Aproveito o ensejo para relembrar que este ano a Harvard retirou o “dairies” do seu Health Eating Plate e frisa a importância de consumir mais frutas e verduras; metade do nosso prato deveria ser de vegetais frescos, segundo o infográfico. Para a porção diária de proteínas, a School of Public Health recomenda nozes e feijões, que sabemos ser leguminosas. E, mesmo que na lista esteja escrito “peixes e carnes brancas”, retirar a carne vermelha e os laticínios da “moderna pirâmide alimentar” simboliza um avanço. Os laticínios não entram na representação do prato e sim nas comidas e bebidas, digamos, proibidas. Um trecho do conteúdo diz: “Evite bebidas açucaradas e limite leite e laticínios a uma ou duas porções por dia”. Ou seja: é encarada como uma fuga de uma dieta saudável.

Ainda que saibamos que uma das maiores discussões sobre cortar produtos (além de alimentos) de origem animal é relacionado ao combate à exploração de animais (para saber mais, procure conversar com ativistas do Onca, da Sociedade Vegetariana Brasileira ou de outro grupo ligado à libertação animal), ao falar de saúde trazemos um número maior de pessoas para a discussão. Saúde, aliás, é o que prega o bioquímico norte-americano Colin Campbell. Em entrevista ao portal Público, de Portugal, ele defende uma alimentação livre de laticínios, ovos e carnes para prevenir e tratar mazelas como câncer, doenças cardiovasculares e diabetes. “As pessoas são mais saudáveis e vivem mais tempo se optarem por dietas com menos proteínas de origem animal e mais antioxidantes. Comer produtos de origem animal, como leite e carne, está relacionado com cancro, osteoporose, doenças cardiovasculares, diabetes. A maior parte das pessoas no Ocidente sabe que comer vegetais é bom e que comer carne não é tão bom. Mas o que não se apercebem é que este tipo de dieta é importante não só para prevenir essas doenças, como para tratá-las. O mesmo tipo de dieta que previne as doenças também as reverte”, disse ao portal.

Outro viés é a questão do meio ambiente. Uma notícia sobre a orientação da Organização das Nações Unidas para que o mundo consuma menos produtos de origem animal pulula na minha timeline vez ou outra faz meses. Há muito a ser repetido sobre a questão de comer ou não carne e outros produtos de origem animal, mas talvez esta seja mais urgente: o meio ambiente não vai aguentar a produção industrial de animais se continuarmos consumindo a mesma quantidade quando formos 9 bilhões lá em 2050. Me valho da tradução e citação da Agência de Notícias de Direitos Animais: “As previsões são de que os impactos da agricultura aumentem substancialmente devido ao aumento populacional e maior consumo de produtos de origem animal. Diferente de combustíveis fósseis, aqui é difícil buscar alternativas: as pessoas têm que comer. Uma redução significativa no impacto só seria possível se a dieta global mudasse, livre de qualquer produto animal.” E também: “A pecuária, incluindo aqui produção de todos os derivados animais, é responsável pelo consumo de 70% de água fresca do planeta, 38% de uso da terra e 19% da emissão de gases estufa, diz o relatório”. Definitivamente, acho que é hora de pararmos com as piadas sobre o vegetarianismo.

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O Ministério da Saúde do Brasil também incentivou – ainda que de maneira meio torta – o consumo de mais plantas através do Guia Alimentar para a População Brasileira, que esteve em consulta pública até início de maio. “Alimentos em grande variedade e predominantemente de origem vegetal formam uma base excelente para uma alimentação nutricionalmente equilibrada e saborosa”, diz um dos trechos do documento da versão inicial, que foi bastante criticado por não considerar o vegetarianismo. A nova versão ainda não saiu, mas quem quiser ir além pode conferir o Guia Alimentar de Dietas Vegetarianas para Adultos, zelosamente preparado da Sociedade Vegetariana Brasileira e que desmistifica a alimentação vegetariana. E então, vamos colocar as plantas no centro do prato?

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