Nossa sociabilidade contemporânea está centrada nos bares. Nos tempos da Colônia, ficava nas igrejas; no século 19, nos teatros; no 20, dispersou para ruas e cinemas – hoje em dia, está nos botequins que se multiplicaram de maneira impressionante depois da virada do milênio.
É evidente que essa tendência corresponde a uma urbanização, que atingiu níveis incontroláveis. E como consequência, um grau de complexidade que torna as urbes, principalmente as maiores, difíceis de dominar, no sentido de compreendê-las como um todo. Para habitar um desses monstrengos, somos levados a encontrar um ponto de vista mais ou menos estável, a partir do qual pacificamos nossas perplexidades e ansiedades.
É atitude de alto risco: segundo David Harvey, estabelecer-se num nicho significa “recusar-se à grande narrativa” em favor de um slogan que, como fórmula mágica, resolve – ou nos absolve… – da multiplicidade dos nossos problemas, sem que seja necessário pensar para montar uma equação. O que, no caso da vida nas cidades, importa mais que resolvê-la. Mesmo porque equacionar e resolver a vida urbana, ainda que individualmente, fica ao lado da quadratura do círculo no ambiente matemático…
Mas a crítica tem que ser feita, mesmo porque a tal da cidade, em sua complexidade, nos impõe contrariedades as mais intensas, beirando o insuportável. Então, uma primeira consolação pode ser sugerida por Walter Benjamin: “crítica é
uma questão de correto distanciamento”: o que incomoda hoje, amanhã pode ser uma benesse. Ou vice-versa…
Há o famoso provérbio francês: “tout passe, tout casse, tout lasse”. Reformulação evidente, em seu pessimismo, da “canção da morte” dos índios cheyennes: “nada dura muito tempo, a não ser a terra e as montanhas”. Então, muita calma nesta hora: tudo passa, tudo quebra, tudo cansa…
Por mim, prefiro o brilho das poucas linhas de Mario Quintana, nas quais há mais e melhor filosofia que em todos os livros do Emmanuel Kant: “eles passarão, eu passarinho”. Com quatro palavras, nos faz voar sobre as contrariedades urbanísticas…
Ou Brecht, conforme escutei numa peça, mas nunca localizei a referência: “para viver numa cidade moderna, é preciso ter mais paciência que um santo e mais coragem que um cavaleiro andante”…
Para concluir, e um pouco apocalipticamente, o Eclesiastes: “nada há de novo sob o sol”. Quer dizer, o que incomoda hoje, já teve sua versão mais amena num passado menos tecnológico, e terá sua versão mais infernizante nas próximas etapas, potencializada por mais “progresso”.
O que já é um consolo, se se quiser entender assim…