Ainda é muito cedo para analisarmos todos os impactos do novo coronavírus. Podemos esperar profundos impactos sociais e econômicos que podem durar anos. Mas algumas coisas já podem ser percebidas de maneira mais concreta. Hoje, gostaria de chamar atenção para algo que tenho observado.
Nos últimos anos, "transformação digital" se tornou uma buzzword, ou seja, uma palavra da moda. Profissionais, empresas, meios de comunicação… Todo mundo começou a abordar o tema e a dar seus pitacos sobre o seu significado e sobre como uma empresa pode passar por um processo de transformação digital.
A crise provocada pela pandemia da Covid-19 é terrível por centenas de fatores. Mas também nos faz enxergar uma coisa bem importante: quais empresas e quais profissionais estavam realmente colocando a tal da transformação digital em prática. E quem estava com ela apenas nos seus discursos para investidores, sócios ou mídias sociais.
Crises são grandes amplificadores. Muitas vezes, nos fazem enxergar o quão cegos ou atrasados estávamos em certas iniciativas. É preocupante ver quantos negócios, impactados pelo novo coronavírus, não sabem lidar bem com seus profissionais trabalhando em home office. Ou então empresas que ainda não possuem documentos e processos disponíveis na nuvem, o básico de qualquer processo de transformação digital. Ou, ainda, aqueles negócios que não são capazes de seguir com suas iniciativas por não terem ideia de como assinar um contrato de forma eletrônica.
A pandemia do novo coronavírus é uma forma bastante cruel de mostrar aos negócios que aqueles que não se adaptaram ao digital durante as últimas décadas, não apenas do ponto de vista dos aparatos tecnológicos, mas principalmente no que se relaciona a uma mentalidade digital, têm agora poucas semanas (ou até mesmo poucos dias) para fazê-lo.
Nos últimos anos, muito se falou em transformação digital, em inovação, em novos modelos de negócio, em reinvenção das organizações. Tudo isso é bastante bonito quando estamos sentados em auditórios confortáveis, com ar-condicionado, um slide com um belo design e algumas palavras inspiradoras. Tudo isso fica legal em um mundo de capital disponível e boas perspectivas econômicas.
O novo coronavírus é uma maneira dolorosa de mostrar aos negócios e aos empreendedores que esse mundo de palavras bonitas e planejamentos pomposos simplesmente não existe. Se existe, ele dura pouco tempo, como numa ilusão. Essa ilusão pode atrair muita gente… Mas a conta sempre chega.
A realidade dura e fria bate em todos quando nos mostra que boa parte dos profissionais ainda não é privilegiado o suficiente para fazer home office. Ela nos mostra também a situação preocupante da maioria dos negócios do Brasil, que não possuem caixa para aguentar muito mais tempo de lockdown.
Quem sabe, passada toda essa crise gerada pela Covid-19 (e quem sabe quanto tempo ela vai durar), ela deixe, dentre vários outros ensinamentos, a ideia de que precisamos parar de viver no mundo da fantasia das buzzwords.
Marketing digital, transformação digital, inovação… Todas elas foram (e ainda são) endeusadas por profissionais e gestores. No fim do dia, quem realmente é capaz de colocá-las na prática (e não apenas no discurso) é quem consegue sofrer menos danos em momentos como o que estamos vivendo (e digo sofrer menos danos por que crises como essas são danosas para praticamente todo mundo).
Ainda existem muitas perguntas sobre o novo coronavírus e sobre tudo o que ainda está por vir. Levanto aqui mais algumas: quais lições nossos negócios irão aprender com toda essa crise? Como podemos nos tornar mais fortes e pragmáticos depois de tudo isso? Isso, só o tempo e nossa capacidade de reflexão dirão.