“Quem quer ser cozinheiro”? Roberta Sudbrack repete o bordão para lembrar que a profissão exige muito do candidato.
Por isso, venho com algumas reflexões de um cozinheiro paranaense que no auge de uma carreira de sucesso tendo conquistado a almejada estrela do guia Michelin sai do restaurante Epice, em São Paulo, que fechou.
Falo do Alberto Landgraf. Quando li que estava recrutando funcionários para o seu novo restaurante no Rio de Janeiro e que não havia uma linha sobre a aula dele no último Mesa ao Vivo Paraná revirei o meu baú de anotações.
Lembro do gráfico e anotações mostrando como chegou onde chegou e explicando em parte o sucesso do seu restaurante, reverberou. Gosto como conduz sua carreira.
Começo
Na sua história nada dos clichês: alguém da família era excelente cozinheiro, ou já atuava no ramo. Da infância em cidade pequena do interior, Cornélio Procópio, e passagens por Curitiba a caminho da praia, nada tinha relação com a cozinha.
Quando decidiu seguir a profissão não sabia o que queria fazer, mas sabia o que não queria. Isso foi essencial para definir a cozinha autoral que seguiu. Não queria coisas fáceis, como servir salmão e filé, por exemplo. Lembrei da minha última coluna, claro.
Parece bobagem, porém, saber o que queremos e o que não queremos é fundamental, é comum tocar a vida sem pensar muito nisso, cair em ciladas e ser infeliz.
Ele também não queria ser parecido com os restaurantes que faziam sucesso. Não queria novas versões de pratos clássicos.
“Entendi que a memória é um valor muito importante na experiência gastronômica da pessoa, como as situações que viveu, lugares que visitou, pratos que comeu e vi que isso me influenciava”, explicou aos alunos, contando que a partir daí começou a olhar para a sua história e origem.
E a cozinha japonesa estava na sua origem. A mãe dele é japonesa. E a agricultura também, o pai é produtor. Começou a se identificar com os princípios básicos dessa cozinha oriental, como pureza, não usar muito tempero, respeitar o ingrediente, buscar a perfeição e a importância da repetição para alcançar a excelência.
Resultado? Uma cozinha com muito sabor e pureza. “Com o tempo, entendi que a aproximação com o agricultor ia cada vez mais fazer parte do meu trabalho. Comecei a priorizar legumes e vegetais e percebi a relação que isso tinha com afeto”, contou. E foi cada vez mais querendo entender essa ligação.
“Cozinhar o que o local oferece também é uma lição. Entender que onde quer que o cozinheiro esteja isso vai influenciar a cozinha dele, a comida que ele fará, seja pelo clima do local, pelos ingredientes e outros detalhes do dia a dia”, disse, salientando que, por isso, o novo restaurante será bem diferente do anterior porque estará em outra cidade.
Criatividade
Landgraf falou também que a ansiedade do jovem cozinheiro pode atrapalhar no começo da carreira, o querer mostrar tudo o que sabe e ter pressa em fazer sucesso não é recomendável. E como isso é comum.
Outro problema é que aqui os profissionais saem de um curso querendo ser chef, não tem sentido, acrescento. Durante e depois da escola é preciso trabalhar muito em outros restaurantes antes de pensar em abrir seu próprio estabelecimento quando esse for o desejo.
Na sua aula destacou ainda que, a comida só terá valor se ela for forte na origem, não adianta querer vender um queijo paranaense, por exemplo, se a comunidade não reconhece o valor dele e não consome o queijo. É preciso criar uma rede para sustentar o produto, não tem sentido levar primeiro para outros estados.
A cidade precisa se reconhecer para ser um destino turístico gastronômico. “Precisamos ter produtos nossos para vender e fortalecer os elos próximos porque ceviche, sushi, pizza ou massa têm em todo lugar”, provocou.
Para criar seus pratos, Landgraf usa uma equação diferente da maioria dos restaurantes, que é proteína, carboidrato e vegetal. Sua comida tem acidez, textura, contraste e equilíbrio. O desafio é: “se o ingrediente principal é cremoso, eu preciso ter algo crocante, se é quente, preciso do frio e vou jogar com isso. Estudar as temperaturas também, é um detalhe, que faz a diferença”.
Inovação
Para o chef, a cozinha criativa não é melhor nem pior do que a cozinha tradicional, é apenas diferente. “Sempre a inovação será consumida por poucos, quando passa para larga escala é preciso criar novamente, mas ninguém é obrigado a fazer isso. Todo cozinheiro tem que servir o que ele gosta de comer e construir a sua própria história”.
A cozinha do chef paranaense é leve, os molhos não têm muita redução, a acidez está presente para contrastar. As sobremesas têm pouco açúcar, pouca manteiga e pouco creme. No Rio de Janeiro, claro, os frutos do mar estarão mais presentes, refletindo o lugar.
“Gosto de pensar a cenoura como se fosse um pedaço de carne. Asso ao invés de cozinhar na água. Quando cozinho uso o suco reduzido para dar mais sabor. Faço uma cozinha de verduras e legumes, mas não vegetariana. Uso gordura de pato, por exemplo”, ensinou.
Quando o assunto é sobre a rentabilidade da alta gastronomia, também tem sua teoria, “tudo dá dinheiro e tudo não dá, o importante é trabalhar com o que o coração mandar”. Bingo.
Vou acompanhar a chegada do Oteque e prometo mais informações sobre o novo restaurante que abrirá no final de janeiro de 2018.
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