Abri e fechei os olhos algumas vezes para ter certeza de que não estava entrando na escola de bruxos do Harry Potter. Com os meus pés em um tapete vermelho e vendo gente bonita e bem vestida, fotógrafos a postos, logo tive certeza de que estava mesmo era na festa de revelação dos 50 melhores restaurantes da América Latina – The World’s 50 Best Restaurants Latin America.
Delírio? Pode ser. Talvez iguale a selecionar 50 restaurantes como “os melhores”. Não é raro escutar em tom duvidoso, “mas é bom mesmo?”. Como escolha tão subjetiva pode fazer essa escalação?
Cada jurado vota na “melhor experiência gastronômica” dos últimos 18 meses em 10 restaurantes, quatro precisam ser de outros países que não o seu. O resultado, portanto, revela o movimento atual da gastronomia e quem se destaca nele. Pode acontecer de entrar quem não merece, claro, é um risco que todo ranking corre.
E o cenário atual aponta para a reinterpretação de patrimônios e resgate da cultura indígena, para diversidade de ingredientes e de restaurantes, pela substituição da carne por verduras, e aproveitamento integral dos animais servindo cortes menos nobres e diferentes.
Participam da votação 252 duas pessoas entre jornalistas, cozinheiros e empresários, 50% homens e 50% mulheres. A empresa Deloitte audita o sistema. O presidente de cada região, são quatro, (México e América Central; Norte da América do Sul; Sul da América do Sul; e Brasil) escolhe 62 pessoas para votar.
A primeira colocação ainda é do Peru
Infelizmente, o Brasil não está nas principais colocações. Desde que a lista foi desmembrada da internacional o Peru lidera: Astrid y Gastón (2013); Central (2014, 2015, 2016) e Maido (2017, 2018, 2019). Também não temos o maior número de restaurantes. Peru e México têm 11 cada um e nós nove. Em 2019, dois restaurantes brasileiros saíram, Oro (RJ) e Tuju (SP), e tivemos duas novas entradas, Manu (PR) e Evvai (SP) e um prêmio especial para o Lasai, do chef Rafa Costa e Silva, “Art of Hospitality”. O Oteque, restaurante do Rio de Janeiro, de Alberto Landgraf, outro paranaense, subiu 10 posições.
É notório o trabalho de bastidores e o apoio do governo peruano. Isso feito há mais de 15 anos. Impossível competir. Dizem também que quem não faz lobby, não cozinha em outros países, não faz convite para foodies, chefs ou jornalistas, que não pagam a conta, não entra, nem sobe posições.
Se não dividimos com outro país o número de votantes, parece que o Brasil leva vantagem. Não é o que acontece. Pelo tamanho do país e falta de apoio governamental entramos a duras penas e patinamos, apesar de termos casas inquestionavelmente melhores do que muitas de outros países que estão na lista.
O que pensa o número um
“O que me move é fazer as pessoas felizes com comida”, declarou Mitsuharu ‘Misha’ Tsumura na entrevista coletiva depois do anúncio dos premiados, satisfeito com a valorização da cozinha peruana no mundo todo. Há três anos com o título de o melhor da América Latina com o seu Maido, o chef acredita que é preciso democratizar a gastronomia. Ele se prepara para abrir três restaurantes mais baratos. Ambientes simples, com boa comida e bom preço é o que o mercado sinaliza.
A festa
Com comida e bebida a vontade, música e show, a festa parece uma grande reunião de amigos. Mais ou menos. A competição de ver quem entra e está nas melhores colocações escancara isso. Jefferson Rueda, eleito o melhor restaurante do Brasil neste ano e com a melhor colocação do país, na sexta posição, parece disposto a tomar o lugar que muitos cobram do ícone Alex Atala, lutar pela entrada de mais restaurantes brasileiros, com direito até a criação de um grupo no WhatsApp, o “Vai Brasil”. Atala não participa mais das festas, nem envia representantes.
Outro chef, que carrega o Brasil na alma, Claude Troisgros, que costumava acompanhar os mais novos, dando ‘força’, também não estava em Buenos Aires, nem Thomas, seu filho, a frente do Olympe, no 35. lugar, que desceu injustamente oito posições. Foi representado pelo seu sub-chef.
Futuro
O diretor de conteúdo do Latin America’s 50 Best Restaurants, Willian Drew, estava satisfeito com o sucesso do evento em Buenos Aires. A cidade parece que também ficou. O governo argentino quer hospedar o prêmio novamente em 2020 e havia sinalizado apenas para um ano. Outro país entrou na disputa e a organização faz suspense sobre o assunto.
“Poder mostrar a culinária local é uma grande oportunidade para o turismo”, reconheceu o presidente do Tourism Board of the Autonomous City of Buenos Aires, Gonzalo Robredo.
A cidade sede recebe inúmeros chefs, jornalistas e gastrônomos e fica movimentada. Uma série de eventos são programados, como jantar de boas-vindas, discussões, os chamados #50 Best Talks, e os principais restaurantes oferecem banquetes para convidados, possíveis votantes entre eles.
Teremos que esperar o anúncio oficial do próximo país sede com figa na mão, quem sabe uma poção mágica, torcendo para que tenhamos mais reconhecimento. Mais mistério. Bons restaurantes temos de sobra. Isso é certo.