Impossível não lembrar da Cordilheira dos Andes e de vinhos quando pensamos no Chile. Pois, foram os vinhos da Carolina Wine Brands que me levaram ao país, aceitei o convite do grupo e da importadora Porto a Porto para conhecer alguns de seus produtos e os novos projetos da empresa. Dias intensos, muitos vinhos – não tem quem resista – sempre com o belo cordão de montanhas, com as pontinhas brancas de neve, a nos vigiar. Tome folego, ou pegue uma taça de vinho, o post é longo. Sobrevivi bravamente aos excessos.
Primeira parada: a jovem vinícola-boutique Casablanca, proclamada por eles como o “paraíso na terra”, local dos melhores brancos do país. Nossos anfitriões mostraram a pequena vinícola, com suas íngremes colinas, que produz não muito mais do que 130 mil litros de vinho, falaram da parceria com a francesa Laroche e nos proporcionaram uma degustação dos principais rótulos da produção quase artesanal. A França chegou ao país em 1850, pouco tempo depois da Espanha, mas exerce papel predominante até hoje. Nada como pisar nas terras onde as uvas são cultivadas, tendo os vinhedos como paisagem na degustação.
Durante a viagem até a propriedade, fui tentando me recuperar do susto que foi perder a hora e deixar todos me esperando, depois de poucas horas de sono. Para quem não sai de casa sem um farto café da manhã, sem se arrumar e que não costuma ultrapassar os poucos minutos de atraso considerados civilizados, fiquei em choque e com vontade de entrar num buraco. Faço drama. Nada que uma taça de vinho não ajudasse a esquecer o vexame. Ainda bem que nosso propósito era conhecer vinícolas, pois caso a bebida não me socorresse tinha corrido o risco de ver cortado os pulsos, por mim, ou por uma das acompanhantes de viagem.
Terroir
O ar gelado é base para a formação do produto final, ao lado da influência geográfica – a Casablanca está perto do mar, tem vales e colinas – que faz com que as frutas amadureçam lentamente, produzindo um vinho muito aromático, ajudado pelo solo mineral granítico, “é o primeiro lugar a brotar e o último a ser colhido”, explicou o diretor de exportação, Júlio Pérez Del Rio, que acompanhou pacientemente e bravamente as 11 mulheres, oito paranaenses e três gaúchas, durante toda a estada no país. Eles também só utilizam uvas próprias, não compram de outros produtores, o que permite controlar a qualidade.
Começamos a degustação com o Nimbus Sauvignon Blanc, o mais vendido no Brasil, com acentuada nota cítrica, suave e fresco. “Nimbus são as nuvens que cobrem os vales do Chile a cada manhã, carregadas de umidade, protegem e nutrem de água e dão identidade ao vinho”, traduzo livremente do folheto.
O segundo vinho foi de uma variedade que não é muito comum por lá, a alemã de nome complicado, gewürztraminer, que já tinha aprendido, vai bem com sushi, na falta de um bom saquê, além acompanhar queijos e comida Thai, também um bom vinho para aperitivo. Doce no aroma, seco e com boa estrutura. A tampa de rosca usada é cada vez mais comum nos brancos, pois ajuda a não oxidar, em vinhos considerados de circulação rápida – de três a quatro anos.
Seguimos para a uva Chardonnay. Vinho premium de cor bem mais dourada de que os outros – cor característica da uva – e no nariz exalando fruta madura e mineralidade. Partimos para um pinot noir, que tem pouca cor se comparado a outros tintos, mas muito sabor, vai bem com pescados, aves e cogumelos. E, finalmente, o vinho ícone da vinícola, o Neblus, 2011, que tem um potencial de guarda de 10 anos, 100% Sirah, foi o melhor vinho apresentado neste dia, no estilo de uva de clima frio. Concentrado, acompanha carne vermelha, leitão, embutidos, confit de pato e cordeiro.
Quase recuperada do estresse do atraso, partimos para o litoral, mais vinhos, mais degustação e um almoço bem ao estilo praiano, perdoando a heresia de gratinar macha – li que o molusco de duas cores servido assim é um prato típico de lá. No dia seguinte, domingo de folga, o programa foi Valle Nevado. Desta vez, nem sofri com as curvas íngremes do caminho, mas sem coragem de me atirar na neve, frio polar e garoa, que a roupa apropriada não dava conta, mais um pouco, viraria pinguim, com certeza. Acho que preciso nascer outra vez para pegar gosto pelo esporte. Depois, comemorei, que nas atividades programadas, não precisei repetir o passeio de teleférico do Cerro San Cristóbal, que assusta quem tem medo de altura. À noite, pizza e vinhos, claro, ao bom estilo de final de domingo.
Último dia de viagem, mais garoa e temperaturas baixas, o que nos impediu de sujar o pé entre as vinhas antigas que foram transplantadas para uma nova propriedade, onde são testadas diferentes variedades de uvas, como a Romano, uma cepa que estava perdida e agora passa por testes. Provamos um vinho experimental, que ainda não está no mercado e que pode, quem sabe, transformar-se em uma nova Carmenère, o Chile é o único país que planta a uva, descoberta há 20 anos.
O grupo da Santa Carolina, presente em mais de 80 países, quer ser líder neste segmento no Novo Mundo – fatura US$ 60 milhões – e é uma das primeiras vinícolas chilenas, com mais de 137 anos produzindo vinhos. Na sede histórica fundada por Dom Luis Pereyra Cotapos, construída em 1875 – projeto de um arquiteto francês –, provamos os vinhos “Reserva de Família”, embaladas pela atmosfera lúdica do lugar e imaginação solta pelos sombrios corredores. Fiquei pensando na sorte da homenageada esposa, dona Carolina, motivo de tudo ali. O enólogo, também francês, Germain Bachelet, deu início ao projeto.
Na cave subterrânea, no centro de Santigo, declarada Monumento Nacional, palco de uma experiência e tanto. Antes do almoço, porém, mais uma degustação, com vinhos ícones, como o Herencia, 2009. Com a uva Carmenère, Herencia é um vinho ícone para a Santa Carolina e traz um pouco da história da família. Vermelho intenso e notas complexas de frutas vermelhas e longa persistência.
Alguns exemplares provados eu já conhecia, a surpresa ficou mesmo por conta dos “Specialties”. Um pouco pela surpresa, um pouco pelo sabor. A variedade difícil de domar, proveniente do Sul da França, a Mourvèdre, não muito comum pelos vales chilenos, plantada em Cachaboal, numa vinha pequena, foi marcante. Igualmente bom, o vinho com a Carignan carregado de acidez e muito álcool, pediu um prato de comida, podemos guardá-lo, o que é uma boa notícia. O Gran Reserva Petit Verdot foi uma amostra de que é possível usar apenas uma única uva, na Europa é comum usá-la em corte. Para cada vinho um vale específico, “procuramos o melhor terroir para cada uva a fim de extrair o maior potencial da fruta”, repetia o incansável Júlio. Novidade também para mim foi vinho orgânico deles, o Ekun, que mostra a preocupação da empresa em acompanhar o mercado.
Acostumados a abrir uma garrafa da bebida não nos damos conta do trabalho árduo que acontece até que o vinho chegue até nós, embale nossas refeições dentro das taças. Bons vinhos? Resultado de muito trabalho, sem dúvida. Embrenhar-se pelos vastos vinhedos existentes – nada como estar do lado de quem produz para entender, apreciar e valorizar – é uma experiência recomendada.