O amigo Felipe Lessa é um dos grandes jornalistas de uma geração que acabou de sair das faculdades. Tem um texto com DNA próprio, algo entre o intelectual beatnik e o moleque de torcida organizada. Aqui ele fala sobre o disco que mudou sua vida (“Animal Boy”, do Ramones).
Em breve, traremos mais relatos como esse, já que uma das propostas desse blog é trazer vários depoimentos, de vários autores diferentes, sobre os discos que mudaram suas vidas. Aproveite:
O disco “Animal Boy”, do Ramones, é daqueles que marcou para a vida toda. Desde os tempos de moleque, empolgado, magrelo e ranhento, ensaiando as primeiras noitadas regadas à cerveja e vinho, até os tempos de hoje, mais gordo, chato, limpo e com meus 25 anos, não resistindo tanto tempo nas ruas.
A primeira canção de legítimo punk rock que escutei foi a que dá nome ao disco. Veio em uma coletânea feita pelo amigo Marquinhos, em tempos que as trocas de fitas gravadas faziam sucesso no meio underground. Junto havia hits importantes de Exploited, Clash, Blitz e Reich Orgasm. No entanto, foi “Animal Boy”, do Ramones, que me empolgou, me fez procurar saber mais sobre a banda norte-americana.
Tempos depois, quando eu pensava que minha carreira de torcedor fanático do Londrina estava em momentos decadentes, o disco voltou a dar ajuda, entre 96 e 97. Trata-se do momento em que eu estava com alguns amigos bebendo refrigerante com pinga (não confunda com o tubão, pois a nossa bebida era preparada no saco plástico), escutando “Love Kills”, e que recebi o convite de um amigo, outro rueiro, de nome Leandro. “Vamos curtir o jogo do Tubarão com a torcida organizada do clube, a Falange Azul. Por lá, eles gostam não só de Ramones, como de AC/DC e Iron Maiden”.
De fato, os camaradas da torcida adoravam rock-and-roll, embora a maioria deles estivesse mais na linha Raul Seixas e Pink Floyd – sons que eu reprovava. Mas não pegava nada. Não era nada ruim, comparado ao que eu geralmente escutava com o pessoal da Sangue Azul ou com os parentes que também iam ao estádio, no caso, samba e sertanejo.
E momentos assim me fizeram manter sempre o espírito do “Animal Boy”. Quando penso que vou esquecer do álbum, coloco para rolar no toca-discos de casa. Para lembrar bons momentos, lembrar de tormentas e melancolias de quem tomou de mais e saiu com a garota mais feia do bar. Ou, às vezes, em bem menor intensidade, para comemorar que foi com a mais bonita. São casos que foram sérios, mas que hoje viraram motivo de risadas.
O álbum de 1986 foi trilha sonora de belos feitos, mas também de belas besteiras dos tempos em que fui office-boy e o walkman não saía do ouvido. Coisas da vida que passaram trilhadas ao som do décimo primeiro álbum do Ramones. No áudio de músicas boas, como “Mental Hell”, “Eat That Rat” e, ao magnífico auto-plágio instrumental de outro hit da banda: “Apeman Hop”. Lembra ou não lembra “Commando”?
Se houve a cópia, ou não, já não importa. Ramones talvez não seja o som que eu escuto a toda hora nos dias de hoje. No entanto, “Animal Boy” teve parcela significativa para que eu conhecesse outras bandas e também mudasse o rumo de minhas caminhadas.