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O texto é grande, já aviso. Mas a efeméride que o segura também é. Há exatos 20 anos, o mundo do rock ganhava uma pequena pérola de quatro músicas. Mal talhada propositalmente, a joia fez com que quatro meninos de Oxford, Inglaterra, ganhassem uma notoriedade quase planejada.

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Explica-se: os garotos que em 1988 formaram a banda Ride não atingiram o mainstream, não tiveram discos lançados no Brasil, não emplacaram hits como algumas bandas contemporâneas fizeram, mas, além de pavimentar o caminho de grupos como Radiohead e Supergrass, cativaram milhares de pessoas pelo mundo com seu som, ao mesmo tempo melódico, delicado, mas também explosivo, visceral e raivoso.

Tudo isso era novidade na cena musical da Inglaterra no final dos anos 1980. Somada à postura de indiferença quando subiam ao palco, Ride capitaneou a chamada cena shoegazer, que teve bandas como Chapterhouse e Slint como companheiras.

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O que chegava às lojas das cidades inglesas naquele janeiro era The Ride EP, primeira gravação profissional de Mark Gardener e Andy Bell (guitarras e vozes), Steve Queralt (baixo) e Loz Colbert (bateria).

A história dos quatro amigos é o velho clichê de banda de rock: universidade, coisas em comum, vontade de ser ouvido bla bla bla. O interessante, aqui, é a proposta sonora que quiseram abordar.

Fãs de bandas como My Blood Valentine, Sonic Youth, Spacemen 3 e The Smiths, o quarteto se equilibrava entre uma voz adocicada e melancólica de Gardener e o tufão musical em volume quase insuportável que acontecia atrás de si – guitarras no talo, microfonias, linha de baixo complexa e mutável; e bateria sincopada, criativa, que, ao dobrar o tempo da música em apenas um compasso, por exemplo, dava a ela estilo e vivacidade e não criava um mero caráter exibicionista.

O Nightshift – Oxford Music Magazine — publicou uma matéria em que conta como a gravação do primeiro trabalho surgiu. Depois de diversos shows que faziam na universidade, foi a vez do Jericho Tavern Club receber os quatro, em fevereiro de 1989. O delírio começou na passagem de som.

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“Começaram a aplaudir e nós estávamos no soundchecking. Fiquei muito assustado”, disse Gardener à publicação.
O produtor Dave Newton era o responsável pelos shows regulares que aconteciam no local e sempre procurava apresentar bandas novas. Dave era amigo do baixista Steve Queralt e aconselhou o Ride a gravar algumas músicas com o dinheiro que estavam fazendo nos shows, sempre lotados.

A ideia se concretizou em janeiro de 1990, com a gravação de The Ride Ep, que tinha quatro músicas: “Chelsea Girl” (de caráter intuitivo e etéreo), “All I Can See “(um bom exemplo do que mais ouviam na época), “Close My Eyes” (música densa e soturna) e “Drive Blind” (uma enxurrada de instrumentalização, a cara da banda).

Conta-se que o engenheiro de som, à época, disse que não podia ouvir nada de forma distinguível porque havia “muita guitarra e muito barulho”. “Ótimo, deixa como está”, teria dito Andy Bell. A jornada do Ride começava.

Depois de avançar um pouco no território inglês – a banda ficou conhecida em Londres e fez alguns shows por lá –, a popularidade do Ride crescia. Da Jericho Tavern foram para o Co-Op Hall, casa que era desejo de muitas bandas iniciantes. “Nós éramos definitivamente ambiciosos”, disse Bell.

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A explosão mesmo veio com a turnê que fizeram abrindo os shows da banda Soup Dragons, que, até então, era o maior grupo independente da cena rock britânica daquele tempo.

O Ride foi exposto à mídia nacional e ganhou suas primeiras páginas em publicações como New Musical Express, Sounds e Melody Maker. Então a banda que tocava em amplificadores pobretões e quase caseiros agora regulava marshalls e stacks. A banda que era aplaudida na passagem de som criava a catarse em seus shows. Mesmo sem dar a mínima atenção para a plateia.

O quarteto gravou quatro discos e se separou em 1996. O mais lembrado e cultuado é Nowhere (também lançado em 1990). Sabe-se lá porque o grupo nunca fez sucesso internacionalmente – nenhum de seus discos foram lançados no Brasil. Mas o culto ao trabalho que fizeram é enorme. É fácil ouvir suas músicas, por exemplo, em sets de DJ’s que abrem shows de rock.

Nowhere
“Seagull”, a primeira faixa (ouça ali embaixo), começa com uma microfonia sinuosa, parte para um riff de baixo galopante e, enfim, se agiganta quando a bateria de Loz Colbert entra, virtuosa, barulhenta, como se a raiva contida em algum momento da vida tivesse somente aqueles compassos para se exibir.

A microfonia continua ao fundo, enquanto Mark e Andy Bell cantam em duo, com voz algo preguiçosa, aérea, “Meus olhos estão doloridos/ meu corpo está fraco/ minha garganta está seca/ não posso dormir/ minhas palavras estão mortas”.

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A música de seis minutos reflete em parte o modus operandi do Ride: camadas de guitarras barulhentas, embora harmônicas, que sustentam uma melodia cantarolável que poderia sair de qualquer banda britpop.

Ao final da faixa, um solo arpejado de Mark explode, enquanto Loz marca os tempos 3 e 4 de cada compasso batendo com a maior força do mundo em sua caixa, como se gritasse sem abrir a boca.

Ainda há a linda “Polar Bear”, uma música sobre uma garota que pensava que podia voar. A música surpreende e se recria no meio do caminho – de novo devido à criatividade de Loz Colbert.

“Paralysed”, faixa que em seu fim traz solos de bateria em bases de piano; e “Vapour Trail”, uma das melhores faixas já compostas pelo quarteto. É aí que todas as característica do Ride, quem diria, encontram violinos.

Para “celebrar” o aniversário do primeiro EP, os amigos se reuniram para beber cerveja no pub Rusty Bicycle, em Oxford, provando que nem todo fim de banda é traumático.

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Hoje Mark Gardener trabalha como produtor musical em seu próprio estúdio, em Oxford. Montou a quase anônima Animalhouse, e, quando é convidado, compõe e toca suas músicas em festivais pela Inglaterra.

Andy Bell passou a última década como baixista do Oasis e mesmo depois da separação dos irmãos Gallagher deve continuar trabalhando com Noel.

Steve Queralt mora em Londres e trabalha para uma indústria de móveis italiana. E Loz continua tocando – o músico faz turnês com Jesus & Mary Chain, International Jetsetters e outros grupos.

E Ride ainda vive. Seja em publicações esporádicas – como no Nighshift ou neste blog –, na memória afetiva de quem ouviu a banda em seu auge, ou na influência que tiveram em bandas inglesas posteriores.

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Abaixo, a música “Seagull”, que abre o disco Nowhere. E “Mouse Trap”, música presente no disco Going Blank Again, de 1992, em versão ao vivo.

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