A divergência entre a prefeitura de São Paulo e a empresa 99 sobre o serviço de transporte de passageiros feito com motos na capital abriu o debate sobre a competência da gestão pública municipal acerca do tema. Na última terça-feira (14), a prefeitura da capital determinou a suspensão do serviço de transporte de passageiros por moto oferecido pela empresa 99.
Na Justiça, a empresa tentou uma liminar para garantir o serviço, mas teve o pedido negado. O juiz Josué Vilela Pimentel, da 8ª Vara da Fazenda Pública do Tribunal de Justiça de São Paulo, manteve o decreto que proíbe o serviço de transporte por motos na cidade. Na decisão, o juiz argumentou que a decisão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) de proibir o serviço não configura, por si só, ilegalidade ou abuso de poder. Pimentel determinou que a prefeitura e o Ministério Público apresentem, em 10 dias, dados sobre o serviço.
Para o advogado Felipe Fonte, especialista em direito do trânsito da FGV Rio, o prefeito não pode decretar a proibição porque não é da competência do município. De acordo com ele, o decreto é inconstitucional.
"Quem legisla é a União, que deixou aos municípios o direito de arbitrar esse transporte. Eu entendo a posição do prefeito Ricardo Nunes, mas a Constituição tem artigos e é importante saber qual é o instrumento normativo para proibir o serviço. O decreto é autoritário e inconstitucional. O prefeito sozinho não pode decretar a proibição porque não é da competência do município, é da União, que editou o Plano Nacional de Mobilidade Urbana", argumenta.
De acordo com a Lei Nº 12.587 (Plano Nacional de Mobilidade Urbana), artigo 11-A, compete exclusivamente aos municípios e ao Distrito Federal regulamentar e fiscalizar o serviço de transporte remunerado privado individual de passageiros. Assim, a gestão pública municipal deve observar diretrizes, tendo em vista a eficiência, a eficácia, a segurança e a efetividade na prestação do serviço:
- I - efetiva cobrança dos tributos municipais devidos pela prestação do serviço; (Incluído pela Lei nº 13.640, de 2018)
- II - exigência de contratação de seguro de Acidentes Pessoais a Passageiros (APP) e do Seguro Obrigatório de Danos Pessoais causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres (DPVAT); (Incluído pela Lei nº 13.640, de 2018)
- III - exigência de inscrição do motorista como contribuinte individual do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), nos termos da alínea h do inciso V do art. 11 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. (Incluído pela Lei nº 13.640, de 2018)
"Se os municípios não quisessem deixar os serviços serem prestados, teriam que trabalhar para que a lei fosse modificada", acrescentou Fonte. O prefeito de São Paulo se baseia na quantidade de acidentes com motociclistas - sete a cada dez - para nortear a decisão.
"O argumento público que ele [Nunes] vai usar é de que as motos causam muitos acidentes, vai estimular o uso maior de motos, as vias já estão saturadas com os motoboys que fazem entregas, e que esse é um risco público para a coletividade. Acho que é um argumento público do perigo intrínseco dessa atividade, mas é um argumento paternalista. Cada um sabe do risco que toma", disse Fonte.
De acordo com o advogado, a falta de previsão legal para o pagamento de tributos por parte das empresas que prestam essa modalidade de serviço está relacionada à decisão em São Paulo. "A questão real que não está posta é que os prefeitos frequentemente se ressentem do fato de que as atividades realizadas por empresas de transporte por aplicativo ocorrem sem o pagamento de tributos ou taxas específicas para isso", pontuou.
Fonte lembrou que, na capital paulista, a prefeitura tentou implementar uma cobrança denominada "preço público das vias públicas". No entanto, no ano passado, o Tribunal de Justiça de São Paulo declarou a inconstitucionalidade da medida.
"Segundo o ordenamento jurídico vigente, essa cobrança não é permitida. Além disso, o ISS (Imposto Sobre Serviços), que incide sobre a atividade, só pode ser recolhido no município onde a empresa prestadora de serviços está sediada. Dessa forma, empresas que não possuem sede em São Paulo não têm obrigação de pagar ISS na cidade", explicou ele.
Fonte levanta um contraponto: "Muitas empresas com sede em São Paulo prestam serviços em outras cidades do país, e a capital paulista sempre se beneficiou da regra que determina o recolhimento do ISS na sede do prestador de serviços. Por isso, na minha opinião, a tentativa de arrecadar mais dessas empresas, apesar de compreensível, não é justa, já que São Paulo historicamente foi favorecida por essa mesma legislação", ponderou.
O advogado Maurício Januzzi corrobora a opinião de que a prefeitura não tem competência para fiscalizar o serviço de mototáxi, já que a atividade não foi regulamentada na cidade. "Sem regulamentação, não há como fiscalizar", resume. "E, por não estar regulamentado, o serviço é considerado proibido."
Leis municipais não podem proibir o funcionamento de aplicativos de transporte individual
Em maio de 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucionais as legislações municipais que proibiam o uso de plataformas como Uber, 99 e Cabify, alvo de questionamentos judiciais. Durante a sessão, o então ministro Ricardo Lewandowski concordou com o entendimento dos dois relatores, destacando que as leis municipais questionadas no STF devem se restringir à regulamentação de táxis, sem abranger os aplicativos.
Lewandowski ressaltou que impedir motoristas vinculados a aplicativos de exercerem livremente sua atividade profissional enfraquece os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência, além de prejudicar os consumidores, que perdem o direito à livre escolha.
Agentes apreendem motos que operavam no transporte de passageiros
Em decorrência da "lupa" que a prefeitura de São Paulo colocou sobre a oferta do serviço, o Departamento de Transportes Públicos apreendeu três motocicletas que faziam transporte de passageiros na tarde da quarta-feira (15). A operação de fiscalização foi realizada, conforme explicou o órgão, de acordo com as leis 15.676/2012 e 16.344/2016, que proíbem essa atividade, e contou com o apoio da Guarda Civil Metropolitana (GCM).
A primeira apreensão aconteceu na região da Vila Ré, zona leste. A motocicleta foi abordada enquanto transportava uma pessoa na garupa. A passageira confirmou ter solicitado a corrida pelo aplicativo 99, partindo em direção ao Teatro Flávio Império, no Cangaíba, pelo valor de R$ 11.
No fim da tarde, outras duas motocicletas foram apreendidas na avenida Brás Leme, na Casa Verde, zona norte. Durante a fiscalização, as motos foram abordadas enquanto levavam passageiros na garupa. Após a confirmação de que realizavam transporte por aplicativo, as apreensões foram efetuadas.
99 diz que suspensão resultará na perda de 13 mil empregos
Em nota à imprensa, a 99 manifestou que "em São Paulo, a suspensão da categoria de moto por aplicativo da 99, anunciada em 14/01, resultará na perda de 13 mil empregos, conforme estudo da Fundação Getúlio Vargas. A pesquisa de 2023 também estimou que a categoria geraria quase R$ 1 bilhão para o PIB nacional e R$ 28 milhões em impostos se estivesse em operação na capital paulista. Nas primeiras 24 horas de funcionamento, a 99Moto realizou mais de 10 mil viagens, com destaque para o Capão Redondo, na Zona Sul".
A empresa também informou que, no primeiro dia, 3 mil motoristas participaram do serviço, com ganhos médios acima de R$ 10 por corrida. "A maioria tem mais de 30 anos, e 67% são os principais provedores de suas famílias. Para mais da metade, a moto por aplicativo é a única fonte de renda, sustentando em média três pessoas. O uso da plataforma aumenta a renda desses trabalhadores em até 40%. A maioria é negra (66%), com ensino médio completo (63%) e pertence à classe C (65%), conforme levantamento do Cebrap."
Também nesta quarta-feira, o Sindicato dos Motociclistas do Estado de São Paulo (SindimotosSP) se manifestou orientando os trabalhadores a não realizarem serviços de mototáxi clandestino na capital. A recomendação busca evitar a apreensão das motocicletas e possíveis responsabilidades civis em casos de acidentes ou mortes de passageiros.
"O SindimotoSP ressalta nesta nota que, a prefeitura é quem determina as diretrizes do uso viário da cidade e fiscalização das normas de trânsito e que a 99Motos não tem argumentos para discutir ou aprovar o mototáxi, seja em São Paulo ou qualquer outra cidade brasileira. Elas pagam sim, verdadeiras fortunas para escritórios de advocacia defenderem seus interesses acima de tudo e sempre objetivando lucros, em detrimento da qualidade de vida dos trabalhadores motociclistas." O sindicato também salienta que a 99Motos, assim como outras empresas de aplicativos, não têm responsabilidades com trabalhadores.
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