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Samia Marsili

Samia Marsili

Vícios capitais

O sexo e a educação para o amor

Luxúria e educação para o amor
Pais que se tratam com carinho e respeito dão exemplo aos filhos, que buscarão o mesmo em seus relacionamentos. (Foto: Marcio Antonio Campos com Midjourney)

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Em minha última coluna, tive ocasião de tratar sobre mais um dos vícios capitais, nessa análise detida, uma após outra, de todas essas más inclinações às quais estamos sujeitos, com vistas a compreender as melhores maneiras de nos defendermos e nos armarmos contra elas, e também de ensinarmos os nossos filhos a estarem delas protegidos. Falei, porém, apenas parte do assunto, visto que é longo e, nos dias que correm, carente de muito esclarecimento, e deixei o restante para completar nas linhas que seguem. Relembrava eu que é assunto sensível – sempre foi –, e que a regra geral é os pais se sentirem confusos a respeito de como orientar seus filhos, e de como tocar nesse tema com os adolescentes. O tema é, novamente, o sexo, e a sua subversão viciosa: a luxúria.

Tendo em conta que o sexo se tornou, especialmente ao longo do século 20, uma grande obsessão ocidental, um verdadeiro ídolo moderno, achei conveniente tratar o assunto partindo dos princípios que lhe são, naturalmente, anteriores: os princípios da moralidade das ações humanas. Quem não teve oportunidade de ler, por favor, revise aqui, pois o que ali expresso nos dá régua e compasso para analisarmos, sem falsos pudores, os fatos concretos que nos rodeiam, seja os grosseiros e indesejáveis, seja os verdadeiramente amorosos e que desejamos cultivar no seio da nossa família.

Hoje, então, prossigamos: avancemos para modos práticos e muito palpáveis sobre como ensinar nossos filhos a estarem fortes contra esse vício incentivado em toda parte. Como vimos, o vício é uma perversão de uma inclinação natural que, em si mesma, não tem nada de mau. É preciso, pois, ensiná-los a se relacionarem saudavelmente, antes de mais nada, com essa mesma inclinação natural. Ora, para ajudar nossos filhos a lidarem com a inclinação natural do prazer sexual, precisamos começar pela formação da afetividade. Gostaria, aqui, de destacar dois aspectos fundamentais dessa formação.

Primeiro, é essencial que a criança perceba o seu valor. Isso é determinante para que ela saiba até onde pode ceder em determinadas situações e compreenda que merece respeito em qualquer relacionamento. Essa percepção começa no ambiente familiar, especialmente observando a relação entre os pais. O modo como um pai trata sua esposa é um modelo para a filha sobre como ela deve ser tratada no futuro. Da mesma forma, o menino aprende a respeitar e valorizar as mulheres ao observar o comportamento do pai em relação à mãe. Quando esses exemplos são positivos, eles oferecem à criança uma referência clara do que buscar ou evitar nos próprios relacionamentos.

Para ajudar nossos filhos a lidarem com a inclinação natural do prazer sexual, precisamos começar pela formação da afetividade

Além disso, os pais comunicam o valor dos filhos por meio de palavras e ações. Reforçar constantemente que eles são amados e desejados fortalece sua autoestima. Mesmo que a gravidez tenha sido inesperada, por exemplo, é melhor evitar comentários negativos como “você foi um acidente...” ou “foi um susto quando você nasceu!”, pois o impacto que isso tem na compreensão de uma criança é muito diverso do nosso modo adulto de apreciar os eventos. É possível moldar essa mesma narrativa de forma positiva, destacando como aquela vida se tornou uma bênção. Será muito melhor se pudermos partilhar com nossos filhos histórias alegres sobre a gestação, sobre o seu nascimento e seus primeiros anos, criando um sentimento de pertencimento e de segurança na criança. Essa prática alimenta o senso de dignidade e valor pessoal, ajudando-os a se posicionarem melhor nos relacionamentos futuros.

Outro ponto importante é proteger a intimidade dos filhos. Evitar expor seus erros ou detalhes pessoais em conversas com terceiros é essencial para preservar sua dignidade. Quando uma criança percebe que seus pais cuidam de sua intimidade, ela aprende a respeitar a dos outros. Essa proteção vai além das questões corporais, abrangendo sentimentos, segredos e experiências pessoais. Trata-se de ensinar, muito simplesmente, que as relações humanas exigem cuidado, respeito e sensibilidade. Isso é crucial para que, no futuro, a criança saiba reconhecer e exigir respeito em suas próprias relações.

Por fim, a ordenação dos afetos é um passo essencial na formação de um caráter equilibrado. Não se trata de suprimir sentimentos ou agir de forma puramente racional, mas de alinhar os afetos à razão e à vontade. É importante que nossos filhos aprendam a desejar com intensidade aquilo que sabem ser bom, de modo que suas decisões sejam sustentadas por um coração envolvido e não apenas por uma determinação fria. Essa harmonia entre inteligência, vontade e afeto os torna mais resilientes e capazes de enfrentar desafios com alegria e propósito.

Uma forma prática de ensinar isso é incentivá-los a superar pequenos desafios no dia a dia, como comer algo de que não gostam ou esperar por algo muito desejado. Essas experiências, embora difíceis no momento, geram um sentimento de conquista que reforça a capacidade de enfrentar situações maiores no futuro. Assim, ajudamos nossos filhos a desenvolverem não apenas disciplina, mas também uma alegria genuína por fazer o que é correto e virtuoso. Com o passar do tempo, à medida que ordenamos os afetos, começamos a verdadeiramente querer e nos alegrar com aquilo que reconhecemos como um bem. Um exemplo prático é o estudo. No início, estudar pode parecer um sacrifício, algo tedioso, que nos priva de brincar ou de realizar outras atividades prazerosas. No entanto, à medida que adquirimos conhecimento, compreendemos as matérias e colhemos frutos, como boas notas ou a satisfação de entender algo novo, surge uma recompensa interna que ninguém pode tirar. Essa alegria é fruto de um esforço que nos aproxima do bem, e é justamente isso que precisamos ensinar aos nossos filhos: que a recompensa mais duradoura vem de superar as dificuldades e direcionar os afetos para o que realmente importa.

Essa prática forma não apenas inteligência e consciência, mas também afeto, vontade e caráter. Cada vez que nossos filhos enfrentam desafios e percebem os benefícios de perseverar, eles fortalecem sua capacidade de escolher o bem. Quando negam um prazer imediato por algo mais significativo, desenvolvem uma alegria mais profunda, que transcende a satisfação momentânea. Assim, estamos ajudando a moldar um caráter que busca o bem de forma integral.

Outro aspecto crucial é o fortalecimento da vontade. A vontade é a ponte entre o desejo e a ação, e muitas vezes é essa ponte que falta para concretizarmos nossos objetivos. Quantas vezes desejamos algo – como estudar para um concurso, iniciar uma atividade física ou resolver um conflito difícil –, mas sentimos que não temos forças para agir? Isso ocorre porque nossa vontade está fraca e, sem uma vontade robusta, ficamos presos aos apetites mais básicos e imediatos. A formação de uma vontade forte não começa na adolescência ou na fase adulta; é um processo que deve ser cultivado desde a infância. Pequenos hábitos diários, como estabelecer horários para dormir, incentivar uma alimentação equilibrada, organizar brinquedos ou tratar os irmãos com respeito, são exercícios de caráter que preparam a criança para enfrentar os desafios maiores da vida. Então, quando um adolescente ou adulto precisar enfrentar as pressões da sexualidade, a força de sua vontade, construída ao longo dos anos, será o alicerce que o ajudará a ordenar seus desejos e escolhas de maneira adequada. Sem essa base, é improvável que alguém consiga lidar bem com a própria sexualidade. Quem não consegue moderar o consumo de alimentos ou resistir a um videogame dificilmente terá domínio sobre desejos mais intensos. Agir de forma verdadeiramente humana exige mais do que ceder às vontades momentâneas: é necessário reconhecer o bem maior e perseguir esse bem, mesmo quando nossos sentidos indicam o contrário.

Além disso – e aqui começamos a entrar mais de cheio na realidade do sexo –, precisamos ensinar aos nossos filhos o valor intrínseco da vida humana e a responsabilidade que a acompanha. A sexualidade não é apenas uma questão de prazer ou desejo pessoal; ela está intrinsecamente ligada à geração de novas vidas e à educação dessas vidas. O ser humano, diferentemente dos animais, não pode ser deixado à própria sorte. Desde o nascimento, é preciso cuidado, atenção e formação para que ele alcance seu pleno potencial. Ensinar isso aos nossos filhos ajuda a situar a sexualidade em seu devido lugar: como algo que exige respeito e responsabilidade. É nesse contexto que podemos abordar a virtude da castidade, entendida não como uma negação dos sentimentos, mas como uma ordenação do prazer sexual para o bem de si mesmo e do outro. A castidade não é sinônimo de repressão ou frieza emocional, mas, sim, de um coração apaixonado por ideais maiores. Um coração que valoriza a entrega e o respeito mútuo, em vez de se perder em desejos imediatos.

Ensinar nossos filhos a amar significa mostrar-lhes que o verdadeiro amor não possui nem domina, mas se doa. Um amor que vê o outro como um presente precioso, digno de cuidado e reverência. Um coração humano que aprende a valorizar grandes ideais, como justiça, responsabilidade e virtude, será capaz de transcender as tentações momentâneas e se comprometer com propósitos mais elevados.

Quando o coração de uma criança está voltado para o bem, as questões relacionadas à sexualidade perdem a urgência desordenada

Por fim, é nosso papel alimentar nos filhos o desejo de se tornarem pessoas virtuosas e magnânimas. Pergunte-lhes o que desejam ser como indivíduos – não apenas em termos de profissão, mas de caráter. Quais valores desejam cultivar? Como querem ser lembrados? Essa reflexão, sustentada por bons exemplos, tanto no ambiente familiar quanto na literatura ou na história de grandes figuras, amplia o horizonte de seus desejos, distanciando-os de um foco limitado no prazer imediato. Um coração grande e generoso é aquele que se orienta por ideais grandiosos, capazes de guiar não apenas suas escolhas, mas toda a sua vida. O prazer fugaz não pode dominar a minha vida. Meus desejos não podem me consumir, transformando meu coração em algo pequeno e voltado exclusivamente para si mesmo. Um coração egoísta não é capaz de se doar, de se abrir à grandeza de iluminar a vida dos outros. É isso que precisamos cultivar em nossos filhos: um coração generoso, uma alma que não diz “basta”, mas que busca sempre fazer mais, dar mais, iluminar mais.

Quando o coração de uma criança está voltado para o bem, as questões relacionadas à sexualidade perdem a urgência desordenada. Se ele vive de acordo com valores maiores, o dilema da pornografia ou da masturbação simplesmente não tem espaço: o coração está ocupado com coisas mais elevadas. E isso não significa tratar a sexualidade como algo negativo. Pelo contrário, ensinar sobre o valor da vida, da união conjugal e da dignidade humana é mostrar que ela tem um lugar precioso e especial, mas que exige maturidade e caráter para ser vivida plenamente.

A luxúria não começa no ato, mas na imaginação. Antes de agir, há um terreno fértil na mente: a fantasia. A fantasia, uma faculdade da alma, é alimentada pelas experiências do corpo. Nada que passa pela nossa imaginação está completamente desvinculado dos sentidos – do que vimos, ouvimos, sentimos ou experimentamos. Mesmo os sonhos, que parecem tão criativos e inusitados, são compostos de fragmentos da nossa percepção sensorial. Por isso, é essencial proteger os nossos filhos das influências que alimentam fantasias desordenadas. Filmes, séries, vídeos no TikTok com apelo sexual, músicas de teor vulgar e até livros impróprios para a idade podem marcar profundamente suas imaginações.

A exposição precoce a esses conteúdos não é inofensiva. Muitas vezes, ela deixa marcas que moldam fantasias desordenadas e geram inquietações desnecessárias. Na nossa geração, era comum encontrar pornografia na televisão – algo tão explícito quanto as infames cenas da “banheira do Gugu”. Crescemos rodeados por esses estímulos que moldaram, sem que percebêssemos, nossos desejos e nossa forma de enxergar o corpo e a sexualidade. Isso vale para crianças, adolescentes e até mesmo para adultos casados, que podem se frustrar com a realidade do casamento porque esperavam algo que não passa de uma ilusão fantasiosa alimentada por estímulos irreais. Muitos pais ainda acreditam que expor os filhos, especialmente meninos, à pornografia pode ajudá-los a “se tornarem homens de verdade”. Nada poderia estar mais distante da verdade. Um homem que não respeita uma mulher, que não assume responsabilidades diante de uma gravidez, ou que não cuida do ato sexual como um espaço de intimidade, está longe de ser verdadeiramente homem. Além disso, é fundamental que nossas próprias experiências sexuais não distorçam a forma como educamos nossos filhos sobre sexualidade. Conheço mães que questionam: “Como vou ensinar meu filho sobre castidade, se eu mesma não a vivi?” Mas isso não deve ser um impedimento. Reconhecer a beleza e a importância de algo, mesmo que não tenhamos experimentado isso no passado, nos dá autoridade para orientar.

Pense em um exemplo simples: se você cresceu comendo fast food e hoje entende a importância de uma alimentação saudável, isso não significa que não possa oferecer brócolis e espinafre ao seu filho. Pelo contrário, você está em uma posição privilegiada para ensiná-lo a partir das lições que aprendeu. Da mesma forma, se você reconhece os erros do passado e valoriza o bem que não viveu, está capacitada para educar seus filhos de forma íntegra.

Quando uma criança pequena, por exemplo, percebe algo como uma ereção e faz uma pergunta a respeito, muitos pais entram em pânico. Mas é importante desmistificar essas situações e tratá-las com naturalidade. “Isso é algo que acontece quando estamos relaxados”, podemos dizer, sem criar alarde ou atribuir significados inadequados. O mesmo vale para comportamentos triviais, como comer com as mãos ou colocar os pés sobre a mesa. Nessas situações, mostramos com firmeza, mas sem hostilidade: “Aqui usamos garfo e faca”, ou “a mesa é para os pratos, não para os pés”. Em contrapartida, há pais que acreditam que precisam explicar detalhadamente o ato sexual para os filhos, como se eles não fossem capazes de compreender instintivamente. Essa abordagem, porém, não é eficaz. A sexualidade não se resume ao aspecto técnico do ato sexual; ela envolve a construção de valores, respeito e responsabilidade. Além disso, a tentativa de prevenir abusos muitas vezes se torna desajeitada e contraditória. Por exemplo, pais que descuidam do pudor em casa – caminhando sem roupa ou seminu diante dos filhos – podem acabar enviando mensagens confusas, ao mesmo tempo em que tentam impor regras sobre o corpo. O verdadeiro cuidado começa no exemplo: respeitar a intimidade dos outros, estabelecer limites claros e viver com decoro. Outro ponto importante é a gestão do tempo e das atividades das crianças. Muitas vezes, atitudes como manipular as partes íntimas surgem em momentos de ócio, como ao assistir televisão sem supervisão. Reduzir o tempo de tela e oferecer atividades construtivas ajuda a evitar essas situações, além de trazer benefícios para o desenvolvimento integral da criança.

Assim como educamos para hábitos sociais básicos, também orientamos sobre o corpo e a sexualidade, sempre com clareza e respeito. A educação para a sexualidade começa no cotidiano, nos pequenos gestos e na forma como abordamos o mundo. A cada escolha e a cada palavra, plantamos sementes que moldarão a visão de nossos filhos sobre si mesmos, sobre os outros e sobre o mundo. Eles aprenderão, acima de tudo, que são chamados a viver com grandeza e dignidade.

Cuidar da educação sexual dos nossos filhos exige atenção, sensibilidade e equilíbrio, sem permitir que nossos próprios medos e inseguranças relacionados ao tema interfiram, pois nossa geração foi, não há dúvida, exposta a narrativas distorcidas, e muitos de nós carregam experiências pessoais mal resolvidas. Mas isto, como tantos outros temas que compõe a educação que queremos dar em herança aos nossos filhos, deve apenas passar por nós, quer dizer, é algo que nos transcende, e deve torná-los, idealmente, até melhores do que nós. Também a educação sexual não deve ser encarada como algo abstrato, mas como parte do desenvolvimento integral de nossos filhos. É preciso olhar para suas necessidades emocionais, respeitar sua dignidade e ensiná-los a valorizar o corpo e a alma de forma harmoniosa. Tudo aquilo que nós lhes ensinarmos a respeito do sexo, do seu valor e de sua importância, estará integrado como elemento daquele grande ensinamento que queremos lhes transmitir, e que resume toda a educação: amar o próximo como a si mesmo.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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