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Se não falarmos o que pensamos, ninguém falará por nós
| Foto: Unsplash

Imagine morar em um país onde você pode ser punido a qualquer momento pelo que diz ou escreve – mesmo em grupos privados de WhatsApp. Um país onde, com uma canetada, uma autoridade qualquer pode pedir o cancelamento dos seus perfis e contas nas redes sociais ou bloquear suas contas bancárias porque não gostou do que você disse. Ou, ainda, um país onde as autoridades não gostam de ser criticadas e, por isso, classificam as críticas, mesmo as justas e equilibradas, como um atentado ou “ataque” contra as instituições. Você – e qualquer um – teria muito medo de falar ou demonstrar suas opiniões em um contexto desses.

O problema é que não estamos falando de países como a Venezuela, Nicarágua, Cuba, Rússia ou China, onde, infelizmente, há muito tempo não é possível falar que exista liberdade, mas do Brasil. Pesquisa feita pela Paraná Pesquisas e divulgada nesta terça (7) perguntou aos brasileiros se eles sentem que vivem em um país com liberdade de expressão e o resultado foi assustador. A sondagem mostrou que 61% da população acredita que pode ser punida por falar ou escrever o que pensa. De acordo com a pesquisa, os moradores do Sudeste são os que mais temem ser penalizados pelo que dizem, 65,2%; já no Nordeste, 54,8% da população tem essa percepção.

Para políticos e poderosos, quanto mais o medo de se expressar crescer entre a população, melhor.

No ano passado, outra pesquisa mostrou que os brasileiros já nem sabem o que pode ou não pode ser dito livremente, sem levar a punições. O estudo, realizado pelo Instituto Sivis em parceria com o Instituto Jumppi, divulgada em agosto do ano passado, perguntou às pessoas se elas achavam que era permitido defender publicamente que o STF está prejudicando a democracia. Dos 1.128 entrevistados, 37,1% respondeu achar que era permitido criticar o STF, mas 35,5% que consideram que não é permitido. Sobre o sistema eleitoral atual, 36,3% dos entrevistados julgam que são impedidos de questioná-lo, enquanto 49% não viam problema ao fazê-lo.

Sabemos muito bem o que causou esse clima de medo. Centenas de brasileiros têm sido sumariamente perseguidos e punidos apenas porque falaram e expressaram as próprias ideias e sentimentos. E, veja bem, não estamos falando aqui de quem realmente cometeu excessos, xingou, incitou crime ou pregou violência – a legislação brasileira prevê exatamente quais são os casos em que uma declaração pode levar seu autor a ser responsabilizado judicialmente. Aqui, falamos de cidadãos e cidadãs que não cometeram NENHUM crime, só expressaram ideias que desagradaram altas autoridades – hoje, os poderosos de plantão parecem ter se autoatribuído o poder de determinar o que pode ou não ser dito.

Que os poderosos, em geral, não gostam de críticas, é fato sabido e consumado. É praticamente uma equação matemática: quanto menos críticas da população, mais à vontade se sente um político ou autoridade para agir como lhe der na veneta. Pode reparar: tudo o que podem render críticas é escamoteado para as sombras, escondido sempre que possível. Políticos e autoridades que escondem agendas, dados, informações importantes, embora aleguem motivos de segurança para fazê-lo, na verdade não querem dar motivos para serem criticados. Da mesma maneira, não gostam da imprensa livre, aquela que insiste em descobrir as verdades inconvenientes que os poderosos gostariam que ficassem debaixo do tapete de governos e instituições.

A questão é que, agora, as autoridades não só demonstram insatisfação com as críticas – o que é natural –, mas fazem de tudo para impedir que elas aconteçam e criminalizar quem as faz. O empenho tem sido tão grande, mas tão grande, que já criou um sentimento de medo nas pessoas, uma atmosfera de terror que jamais poderia existir em uma democracia. Hoje, os cidadãos têm medo de expor suas ideias e opiniões. Quando as pessoas têm medo de se expressar, de dizer o que pensam sobre os governos e as instituições, não podemos falar em democracia.

Igualmente, não cabe aos governos ou autoridades determinar quais ideias ou posicionamentos podem ou não ser manifestados. Ideias estúpidas ditas de boa-fé, opiniões equivocadas, mesmo aquelas que chocam, têm direito de existir. Mas sabemos que não tem sido assim. Já temos “ministérios da verdade” criados por iniciativa do governo federal e do Judiciário que têm como função definir o que pode ou não ser dito, com base em sabe-se lá quais critérios, e perseguir quem for identificado falando o que eles não querem. O mais recente exemplo é a tragédia no Rio Grande do Sul. O governo federal se apressou em acionar o seu ministério da verdade para “apurar” supostas fake news sobre a atuação do governo nas operações de resgate e apoio ao Rio Grande do Sul – como se não houvesse outras prioridades muito mais urgentes, e como se as pessoas não tivessem o direito de criticar e apontar eventuais erros e omissões do Estado.

Para políticos e poderosos, quanto mais o medo de se expressar crescer entre a população, melhor. Tendo medo, as pessoas nem tentarão falar ou escrever aquilo que pensam por acharem que poderão ser punidas. E as vozes “permitidas” – aquelas que só confirmam ou incensam tudo o que os governos e poderosos fazem e defendem – vão parecer cada vez mais hegemônicas, mesmo que nem de longe representem o que os brasileiros pensam. É por isso que não podemos nos calar: nossa opinião tem valor exatamente porque é NOSSA opinião e tem o direito de ser expressa – de forma respeitosa e civilizada, porque não somos bárbaros. O medo não pode nos calar.

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