Depois de um boom de investimentos entre 2003 e 2010, movidos pela expansão dos carros flex e a promessa de que o etanol se tornaria uma commodity global, as multinacionais reduziram seu apetite no setor de açúcar e álcool no Brasil. Elas foram responsáveis por ajudar a impulsionar o segmento, com tradicionais indústrias brasileiras e novos investidores fazendo aportes estimados em cerca de R$ 15 bilhões para construção de usinas, fusões e aquisições no setor.
Empolgadas com o potencial mercado que se abria para o consumo do etanol, grandes produtoras de grãos - como as tradings ADM, Bunge, Cargill e Louis Dreyfus - fizeram pesadas apostas e inflacionaram o segmento com a compra de usinas e a construção de novas unidades, incentivando outros grupos estrangeiros a investir, como a indiana Shree Renuka, uma das maiores produtoras de açúcar da Índia, fundos de investimentos e até petroleiras gigantes, como Shell (sócia da Cosan), BP e a própria Petrobrás.
Até então dominado por tradicionais usineiros do país, o setor mudou de mãos e abriu novas fronteiras fora de São Paulo, maior estado produtor. O capital estrangeiro responde por uma participação relevante da produção de cana no Brasil - cerca de 30% -, mas deve reduzir esse porcentual, uma vez que o setor continua mergulhado em uma forte crise, que provocou o fechamento de 80 unidades produtoras levou boa parte das usinas a pedir recuperação judicial. Os estrangeiros estão presente direta ou indiretamente em metade dos dez maiores grupos em operação no país.
Frustração
“O boom de investimentos deu um novo fôlego e cara nova ao setor. Mas muitos investidores estrangeiros acharam que poderiam importar a gestão de suas matrizes para o negócio e se deram mal”, disse Júlio Maria Martins Borges, sócio consultoria JOB Economia.
“As tradings de grãos e gigantes petroleiras vieram com a promessa de expansão, que não se concretizou. A americana ADM (que vendeu sua usina e projetos para duas unidades em 2016) saiu, a indiana Renuka entrou em recuperação judicial (e não tem interessados no leilão de sua usina) e a petroleira BP estagnou”, afirmou Borges.
Fontes do mercado financeiro afirmaram que grandes grupos só não saem do negócio porque não há comprador, citando a Bunge e a Louis Dreyfus, dona da Biosev no País. “As duas estão entre as maiores tradings globais, mas não tiveram o resultado esperado na produção de açúcar e etanol”, disse uma fonte de banco. Para Plinio Nastari, da Datagro, outra importante consultoria do setor, enquanto não houver transparência de competitividade do etanol com a gasolina, esse segmento não vai ter o retorno esperado.
Antonio de Padua Rodrigues, diretor da União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica), disse que há perspectivas de melhora para o setor com a recuperação dos preços internacionais do açúcar. No entanto, lembrou que 50% da safra de cana do País é destinada à produção de etanol, que precisa de uma política que garanta estabilidade ao negócio. “O programa Renova Bio (lançado pelo governo federal em dezembro) promete dar um fôlego”, disse.
Com a crise que já perdura há pelo menos cinco anos, a expectativa era de que os preços dos ativos no setor recuassem atraindo novos investidores. “De fato, o valor das usinas caiu, mas ainda ninguém se arrisca a entrar no setor”, afirmou um executivo que reestrutura empresas no País. “Podemos ver a entrada de fundos especializados em empresas problemáticas, mas grandes negócios serão raros no curto prazo.”
A mais recente transação envolvendo o aumento de participação de grupo estrangeiro ocorreu em dezembro, com a venda da fatia da Petrobrás na Guarani, do grupo francês Tereos. A estatal também fez uma reestruturação societária para sair do grupo São Martinho. O grupo alemão Suedzucker informou em novembro que o Brasil é alvo de possível aquisição, mas ainda não fez movimento nesse sentido. “A chinesa Cofco (que incorporou as usinas da Noble Group após uma aquisição global) também poderá expandir, mas não é o momento”, disse outra fonte.
Procurada, a Bunge reiteirou a declaração dada pelo presidente global da companhia, Soren Schroder, em dezembro. Segundo ele, “a venda dos negócios de açúcar no Brasil não é o caminho certo, embora o setor esteja entrando num ciclo ascendente”. A Dreyfus informou, em nota, que “não tem planos de vender a Biosev”. Já a BP disse que o Brasil é estratégico, continua investindo em suas usinas e entende que os biocombustíveis têm papel fundamental dentro da matriz energética. A Cofco não retornou os pedidos de entrevista.
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