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Imagine espalhar um pouco de pó de café sobre a mesa e, com um aplicativo de celular, tirar fotos que analisam a qualidade da bebida e dizem se as características descritas no rótulo são verdadeiras, como padrões de aroma, sabor, corpo, acidez, adstrigência, amargor e fragrância. Se você é agricultor, pode torrar e moer um pouco dos grãos de café na própria fazenda para saber a qualidade do que acabou de produzir.

O caminho para essas inovações foi aberto por uma pesquisa da Embrapa Instrumentação (SP), inédita no mundo, que integra recursos de computação e inteligência artificial (IA) para analisar e classificar, automaticamente e em minutos, a qualidade global do café. A análise é feita sem necessidade de preparar a bebida, examinando apenas as imagens do pó. Atualmente, a avaliação de qualidade mais confiável ainda é a chamada “prova da xícara”, em que especialistas degustam e classificam a bebida.

Batizada de CoffeeClass, a tecnologia emprega técnicas de imagens de reflectância e fluorescência, que usam luzes diferenciadas sob a amostra do café torrado e moído para evidenciar compostos ligados à qualidade da bebida.

“Dá para imaginar que esse sistema inteligente estará um dia no celular. Mais do que isso, no futuro poderemos tê-lo embutido em uma máquina de café, analisando em tempo real o produto que o consumidor adquiriu”, diz o pesquisador da Embrapa Instrumentação, responsável pela tecnologia, Ednaldo José Ferreira.

A inteligência artificial embutida no sistema aprende a “olhar” a amostra, extrair padrões e predizer a classe de qualidade global do café em análise. Por enquanto, a ferramenta inteligente é um protótipo, mas já nasce com elevado potencial para provocar inovação na cadeia de valor do café. Acredita-se que, no futuro, o sistema poderá ser utilizado por produtores no próprio campo e até por consumidores nos supermercados.

O CoffeeClass está sendo apresentado na Semana Internacional do Café, de 7 a 9 de novembro, em Belo Horizonte, onde a Embrapa Instrumentação vai assinar um contrato de cooperação técnica com a Associação Brasileira da Indústria do Café (ABIC), para melhorar a funcionalidade e o desempenho no sistema.

Análise do cafezinho

A pesquisa com o CoffeeClass começou em 2013. O trabalho foi realizado no âmbito do Consórcio Pesquisa Café, criado em 1997 e que envolve cerca de 50 instituições de ensino, pesquisa e extensão rural, sob a coordenação da Embrapa Café. Ednaldo Ferreira conta que a pesquisa surgiu a partir de uma carência da cadeia que demandava uma ferramenta automatizada para a análise do cafezinho.

A proposta era gerar uma ferramenta automatizada para auxiliar o trabalho de provadores de café - especialistas em análise sensorial - e, assim, consolidar uma tecnologia especificamente voltada à certificação baseada na Qualidade Global (QG) do Programa de Qualidade do Café (PQC) da ABIC. A prova de conceito e o protótipo foram inicialmente pautados na classificação desse programa, mas, de acordo com Ferreira, a tecnologia pode ser adaptada a outros indicadores de qualidade do café.

Doutor em Ciência da Computação e Matemática Computacional, Ferreira conta que foram testadas diversas ferramentas antes de se chegar ao CoffeeClass. “O foco da pesquisa sempre foi gerar um aparato simples e de baixo custo, que pudesse ser operado sem dificuldades, com comandos mínimos, por todos os atores da cadeia do café, na própria fazenda, antes de sair do campo, nos laboratórios, cooperativas, torrefadoras, supermercados, cafeterias, entre outros”, diz.

Ferreira recorreu à Ciência de Dados para realizar o estudo-piloto com 120 amostras de café torrado e moído, de várias regiões do País, já certificadas pelo PQC, que possibilitaram a geração de um banco com mais de 2.400 imagens digitais. “Identificamos o potencial e projetamos um módulo denominado de smart core (núcleo inteligente) baseado em um conjunto de métodos e técnicas de Inteligência Artificial que tem por objetivo aprimorar, automaticamente, o desempenho da análise”, explica.

Em testes de laboratório, a tecnologia identificou as categorias de café Gourmet, Superior, Tradicional e não recomendado com um percentual ligeiramente superior a 75% de acerto para amostras cegas.

Microscópios de led

O estudo envolveu microscópios digitais comerciais, de baixo custo, que usam diferentes LEDs (diodo emissor de luz, na sigla em inglês), como fonte de iluminação da amostra de um grama, aproximadamente, além de porta-amostra e software desenvolvidos pela Embrapa Instrumentação.

Ferreira explica que a interação de luzes distintas com a amostra de café produz padrões em imagens ampliadas por microscópios digitais, que permitem caracterizar o café. As luzes em comprimentos de onda distintos permitem detectar a composição do café, além de misturas com grãos de baixa qualidade (defeitos e outros), que interferem na qualidade global.

“As variações de coloração observáveis em imagens digitais ampliadas, adquiridas diretamente de uma amostra do café torrado e moído, revelam características intimamente ligadas à qualidade global do produto”, esclarece.

A ferramenta demonstrou potencial de acerto significativo nas análises em laboratório, no entanto, o líder do projeto acredita que é possível avançar mais e desenvolver outros indicadores para incrementar o CoffeeClass.

“O desafio agora é compreender as características reveladas pelo sistema inteligente e ampliar o horizonte de aplicação da tecnologia”, conta Ferreira. Para realizar essa nova etapa da pesquisa, ele diz que elaborou e submeteu um novo projeto ao programa Consórcio Pesquisa Café, com o qual pretende evoluir o estudo.

“Visando automatizar e modernizar essas análises, a Embrapa Instrumentação, com o apoio do Consórcio Pesquisa Café e a parceria com a ABIC, vai finalizar e lançar essa tecnologia, inédita no mundo. O CoffeeClass, sem dúvida, vai revolucionar a classificação da qualidade dos Cafés do Brasil, para que, cada vez mais, possamos consolidar e conquistar novos mercados”, afirma o chefe de Transferência de Tecnologia da Embrapa Café, Lucas Tadeu Ferreira.

Cooperação

Entre as ações previstas pela cooperação entre a Embrapa e a ABIC que deverão ser executadas nos próximos 18 meses estão o projeto e o desenvolvimento de um novo sistema para armazenamento on-line de imagens e informações extraídas dos laudos de qualidade do PQC. Além disso, o pesquisador da Embrapa prevê que as amostras a serem providas pela ABIC viabilizarão a evolução tecnológica do CoffeeClass para representar melhor o universo da qualidade dos cafés brasileiros.

“O CoffeeClass é mais que um projeto de um equipamento. Ao abrir para o consumidor o conhecimento das características dos cafés, ele resolve um problema secular que é permitir que os consumidores percebam que os cafés não são todos iguais. Suas diferenças, desde a matéria-prima até a preparação da bebida, fazem a personalidade de cada café e permitem que o consumidor se identifique com o seu gosto e preferência”, avalia o diretor-executivo da ABIC, Natan Herszkowicz.

Segundo ele, o CoffeeClass vai desempenhar um papel fundamental na educação para o consumo. “Com ele as torrefadoras poderão definir exatamente o que vão oferecer, estabelecer e comprovar tecnicamente as diferenças entre seus produtos e os da concorrência, aumentando a transparência, tão importante na indústria de bebidas”, diz

Sobre o café no Brasil

O Brasil é o maior produtor e exportador de café do mundo, e segundo em consumo. Em 2017, as exportações de grãos de café movimentaram mais de US$ 5 bilhões. A safra estimada para este ano, segundo a Conab, é de 60 milhões de sacas de 60kg de café beneficiado.

O setor cafeeiro ocupa uma área de dois milhões de hectares com cerca de 300 mil produtores, em cerca de 1.900 municípios, distribuídos em 11 estados: Minas Gerais, São Paulo, Espírito Santo, Bahia, Rondônia, Paraná, Rio de Janeiro, Goiás, Mato Grosso, Amazonas e Pará. A cadeia do café é responsável pela geração de mais de oito milhões de empregos no País.

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