O caminho da Highway 1 se eleva por entre as encostas das montanhas de Santa Cruz, recortando vinícolas e diversos haras, até chegar à acentuada subida da Empire Grade Road. Um desvio por estrada de terra mergulha o viajante num crepúsculo úmido, com brechas de sol atravessando o maciço de árvores que John Steinbeck chamou de “embaixadoras de um outro tempo”.
As sequoias vermelhas, antigas e ameaçadas, misturam-se com gigantescos abetos e tanoaks neste projeto de reflorestamento no alto da montanha, a poucos quilômetros do mar. A floresta aqui é jovem, nenhuma árvore provavelmente tem mais de 150 anos. Os troncos enormes de seus ancestrais são envolvidos pelas árvores jovens, num círculo conhecido como “anel de fadas”.
Na medida em que a Califórnia passa a viver um clima de extremos, e as pessoas continuam a cultivar a terra, a única floresta de sequoias do planeta está em perigo. O desafio de preservá-la está em agrupamentos florestais como este – que, acreditam os cientistas, podem ter a chave para resolver o problema.
Pela primeira vez o genoma das sequoias litorâneas está sendo mapeado, um código genético 12 vezes maior do que o dos seres humanos. Até o final deste ano, os cientistas esperam ter o sequenciamento genético completo desta espécie e também da sequoia gigante, prima de primeiro grau que está entre as árvores mais altas do mundo, alcançando mais de 100 metros.
O código genético de uma sequoia de 1300 anos, ao norte daqui, e de outra, de mesma idade, servirá como ponto de partida para entender melhor como tornar essas florestas mais diversificadas geneticamente, e aumentar suas defesas contra as crescentes ameaças humanas.
Quando o projeto de três anos estiver completo, os cientistas terão o mapeamento genético de centenas de sequoias, uma amostra grande o suficiente para determinar quais árvores têm as melhores características para suportar variações extremas de umidade e seca, de calor e de frio. Os resultados ficarão disponíveis online, numa ferramenta compartilhada entre aqueles que gerenciam as florestas.
“Estamos tentando aplicar ciência básica para decisões elementares que temos de tomar”, diz Emily Burns, diretora científica da organização sem fins lucrativos centenária Redwoods League, que investe no projeto US$ 2,6 milhões de doações privadas. “O que vemos ao nosso redor é resultado do ambiente e da genética. Até agora, só vínhamos tomando decisões com base no ambiente”.
Corrida do Ouro
Desde que a corrida do ouro, em meados do século 19, revelou a extensão das riquezas naturais da Califórnia, as toras de sequoia foram cobiçadas por construtores de casas e móveis, por sua cor e qualidade. A devastação das florestas se intensificou perto da virada do século passado, quando novas linhas ferroviárias aceleraram o ritmo do comércio internacional de madeira.
As florestas milenares de sequoia um dia já se estenderam desde a parte mais setentrional do sul da Califórnia – hoje árida – até o desfiladeiro do Rio Columbia, no Oregon. Apenas 5% das sequoias que existiam antes de 1849 ainda estão em pé, e a diversidade da espécie encolheu um terço.
Ainda subsistem 650 mil hectares de sequoias – uma área equivalente à soma dos estados de Delaware e Rhode Island (Nota do tradutor: cerca de metade da área do Sergipe, menor estado brasileiro). Desse remanescente, cerca de um quarto está protegido. Variações climáticas irregulares têm elevado o risco para as árvores, incluindo mudanças na frequência da neblina, de onde as sequoias absorvem a umidade em suas coroas. A erosão costeira, por causa do aumento do nível do mar, representa outra ameaça no horizonte.
“Não sabemos como o clima irá mudar nem que efeito essas mudanças terão sobre as árvores”, diz Burns.
A melhor defesa contra o desconhecido é tornar mais resilientes santuários como este na luxuriante serra de Santa Cruz. E a melhor forma de garantir isso é fortalecer a diversidade genética dessas florestas.
Conhecer a composição genética de uma árvore, e como esses traços se encaixam num conjunto de indivíduos da espécie, permitirá que Burns e Richard Campbell, gerente de conservação da Redwoods League, estejam mais seguros quanto às escolhas que terão de tomar para proteger e restaurar as florestas de sequoia.
“Será como falar uma nova língua”, aponta Burns, 37, que cresceu numa casa de madeira de sequoia ao norte de São Francisco e que fez doutorado na Universidade da Califórnia em Berkeley sobre os efeitos do clima nos remanescentes das sequoias litorâneas.
Anéis de Fadas
O trabalho de restauração em florestas de sequoia de segundo crescimento – que já foram cortadas pelo menos uma vez antes – é, por vezes, contraintuitivo. À medida que as florestas ressurgem, elas fazem isso de uma forma que sufoca o crescimento, já que as árvores jovens competem por espaço para raiz e ramagens. Os “anéis de fadas” ao redor dos troncos milenares, se por um lado representam vitalidade, por outro indicam a necessidade de raleio, para permitir que as árvores mais promissoras prosperem.
Atualmente, decidir entre as árvores que serão derrubadas e as que serão mantidas é, em grande parte, um exercício de adivinhação – neste caso, baseado na experiência de Campbell como diretor de pesquisa e experimentos florestais em Yale, na Nova Inglaterra.
“O desbaste funciona”, afirma Campbell. “Preciso escolher as árvores que iremos levar para o futuro. Conhecer sua genética vai garantir que eu não faça escolhas erradas”.
O projeto de genoma das sequoias começou em abril de 2017, quando uma amostra foi retirada de uma sequoia milenar do Butano State Park, a cerca de uma hora de carro ao norte do condado de San Mateo. A localização exata da árvore é mantida em segredo para não atrair um número excessivo de turistas ao local.
Dois laboratórios, um da Universidade da Califórnia em Davis, e outro da Universidade Johns Hopkins em Baltimore, começaram o trabalho de identificação do mapa genético da árvore. O processo é demorado e complexo. Um ser humano tem 3 milhões de “pares de bases” de DNA em seus cromossomos; uma sequoia tem cerca de 38 milhões.
O chefe da pesquisa é David Neale, professor de biologia populacional e ciência das plantas na UC-Davis que passou 40 anos a campo, desenvolvendo e refinando a tecnologia usada no projeto.
Além de examinar a amostra da sequoia antiga, Neale e sua equipe reuniram material genético de outras sequoias milenares, coletadas em vários microclimas e altitudes diferentes. Esse é o segundo estágio do projeto: expandir a biblioteca genética disponível para os gerentes florestais.
“Você começa a ter uma estimativa do tipo de variação genética que pode ocorrer em capões específicos dessas árvores”, diz Neale, acrescentando que a informação será usada de modo similar ao que já se faz na saúde humana. “Quando se sabe que o paciente tem uma predisposição genética de risco, você começa o tratamento e prescreve remédios”.
No laboratório do professor Neale, o código genético das sequoias está sendo decifrado a uma velocidade de 150 letras por vez (cada pedaço de informação genética gera seu próprio ‘caderno’). No laboratório de Steve Salzberg, na Universidade de Johns Hopkins, um processo mais caro consegue ler sequências de até 10 mil letras.
Salzberg é professor de engenharia biomédica, tecnologia da computação e bioestatística. Como Neale, ele já mapeou o genoma de uma árvore antes, mas nunca nada do tamanho de uma sequoia.
Letras embaralhadas
Identificar a composição do genoma já é um desafio. O sequenciamento e a montagem – colocar de volta os vários grupos de letras em ordem correta – é outra tarefa igualmente assustadora. “Imagine pegar 100 cópias da edição de hoje do The Washington Post e separar todas as letras. O próximo trabalho é juntar todas essas letras e montar o jornal de novo”, exemplifica Salzberg.
O trabalho é feito encaixando tiras de DNA com sequência específica de genes. “Quanto maiores as tiras, mais fácil fica”, assegura.
Salzberg tem várias questionamentos sobre o que vem encontrando, inclusive, nas palavras dele, “por que não existe uma multa para genomas tão imensos como o das sequoias?”.
Quanto maior o código genético, mais chance de algo sair errado, e muito do que o genoma contém é absolutamente desnecessário – destaca Salzberg. O mesmo é verdade em relação aos humanos.
“De forma bastante rotineira, aprendemos sobre nossa própria biologia estudando a genética dos outros”, aponta. “Não quer dizer que esse será o caso, mas as sequoias levam uma vida fantasticamente longa e seria fascinante descobrir seus segredos”.
O projeto de reflorestamento é cercado e patrulhado, buscando proteção contra entusiastas off-road, trilheiros e, como Campbell salienta, “muito bicho grilo solto por aí”.
A estrada desce em direção a Deadman Gulch, onde um riacho estridente circunda troncos enormes de velhos tempos e sequoias novinhas, com cascas avermelhadas que as distinguem dos abetos do Oregon. O chão é esponjoso e grosso com as agulhas das coníferas e folhas marrons dos Tanoaks, que Campbell acredita estarem impedindo o surgimento de novas árvores. Uma camada grossa de folhas pode suprimir novas mudas, mas acaba sendo consumida pelo fogo no curso natural de vida da floresta.
“O problema aqui é a falta de fogo”, diz Campbell, contrapondo a situação à temporada letal de incêndios descontrolados que fizeram de 2017 o pior ano na história do estado.
Algumas árvores estão pintadas com anéis azuis, o que significa que o cientista as separou para o corte. “Se Campbel soubesse que essas árvores são significativamente diferentes de outras ao redor, ele não as derrubaria”, diz Burns, apontando para uma sequoia marcada. “Mas, no momento, não sabemos”.
O ar é bastante fresco, especialmente na parte mais baixa do despenhadeiro. Nenhuma outra árvore absorve tanto carbono como a sequoia, o que dá um valor imensurável a essas florestas para redução do efeito estufa. “Salvá-las parece ser um investimento melhor do que nunca”, afirma Burns.
O silêncio debaixo das copas frondosas apenas disfarça a vida que pulsa na floresta. Na reserva San Vicente, de 3500 hectares, vivem pelo menos oito leoas da montanha com seus filhotes. Os felinos são conhecidos por fazer suas casas nos troncos ocos das árvores gigantes.
A salamandra errante, uma espécie agora em risco por causa da diminuição de seu habitat, prospera se alimentando de insetos que vivem no musgo e nas folhas dos ramos mais altos das sequoias.
Também está ameaçado o mérgulo marmoreado, um pássaro marítimo que vive no alto das copas e que voa todos os dias até o Pacífico para se alimentar de peixe. A ave está numa lista de proteção de espécies encontradas na floresta de sequoia.
“Novas florestas de sequoias estão fincando pé por aqui”, diz Burns. “Dentro de 100 anos, veremos sequoias cultivadas atingir estaturas realmente gigantes. E o legal do reflorestamento é que já vemos isso acontecer em nosso próprio tempo de vida”.